Estudo investiga ação de canabidiol no tratamento de dependência química de cocaína

Medicamento extraído da planta da cannabis tem potencial para reduzir alterações causadas pela droga

Canabidiol é utilizado como tratamento para doenças como esclerose múltipla e epilepsia. Imagem: Pixabay

O abuso de drogas, sejam elas lícitas, como o cigarro e o álcool, ou ilícitas, como a cocaína, a maconha e tantas outras, é um problema de saúde pública mundial. No contexto brasileiro, a cocaína é uma das protagonistas deste terrível cenário. De acordo com o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no ano de 2015, 4,7 milhões de brasileiros afirmam já ter usado cocaína durante a vida. Além disso, o levantamento mostra que 184 mil pessoas relataram dependência de cocaína nos 12 meses anteriores à pesquisa, o que representa 13,7% daqueles que usaram a substância no período.

Tendo em vista esse cenário, a doutoranda em Fisiopatologia e Toxicologia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Lidia Emmanuela Wiazowski Spelta, desenvolveu o projeto de pesquisa Atividade encefálica de camundongos adultos sob administração de canabidiol como tratamento da farmacodependência à cocaína. A pesquisa busca compreender de que forma o CBD, substância retirada da planta Cannabis Sativa, auxilia no tratamento de pessoas com dependência de cocaína, ou com transtorno por uso de cocaína, nome atual dado à doença crônica e recorrente, como é considerada pela OMS.

O mecanismo do vício e o canabidiol

A pesquisa comandada por Lidia é sobre um possível método de tratamento para o transtorno por uso de cocaína. 

Mas como alguém fica dependente de uma droga? 

As drogas, tanto as lícitas, quanto as ilícitas, ativam um mecanismo no nosso cérebro chamado “sistema de recompensa”, que libera um neurotransmissor chamado dopamina, responsável por nos fazer sentir prazer. Esse sistema é ativado frequentemente ao realizarmos tarefas do cotidiano. Entretanto, as drogas, em particular a cocaína, agem de forma muito mais intensa e prolongada, gerando uma sensação de prazer maior do que quando realizamos atividades do dia a dia. “Com o uso repetido e frequente, a droga desequilibra o funcionamento dos sistemas neurotransmissores, gerando a ‘sensibilização’, que é uma hiperatividade do sistema de recompensa, que culmina em uma necessidade patológica da substância”, explica Lidia.

Atualmente, não existe um tratamento farmacológico definitivo para o transtorno para o uso de cocaína. O procedimento adotado geralmente foca na desintoxicação do usuário, mantê-lo em abstinência, longe da droga. Essa tarefa não é simples e é auxiliada, normalmente, por sedativos, psicoterapia, psicoeducação e grupos de apoio. Considerando esse panorama, a tese de doutorado de Lidia resolveu investigar de que forma o canabidiol (CBD) poderia auxiliar no tratamento de pessoas dependentes de cocaína. 

O CBD é um dos componentes da planta Cannabis Sativa, conhecida popularmente como maconha, e vem sendo usado nos últimos anos como estratégia terapêutica para diversas doenças neurológicas e psiquiátricas. “Diferentemente do THC (principal constituinte da Cannabis), o CBD não é psicoativo, nem apresenta propriedades hedônicas ou potencial para induzir transtorno por uso de Cannabis. ele também gera poucos efeitos adversos significativos e é considerado seguro e bem tolerado em doses altas”, esclarece Lidia. Além disso, a doutoranda ressalta que o CBD possui muitos alvos moleculares distintos, o que o torna capaz de ser usado como terapia para diversas doenças, e, ainda, tem efeito ansiolítico, antidepressivo e neuroprotetor. 

Testes em conclusão

Os testes foram feitos com camundongos e, no primeiro momento, a tarefa era fazer com que esses animais ficassem sensibilizados à cocaína, ou seja, começassem a sentir uma necessidade patológica da droga. Para isso, a cocaína foi injetada nos camundongos dia sim, dia não, durante 10 dias, enquanto eram monitorados pelos pesquisadores. “Conforme administramos a droga, vemos um aumento progressivo da atividade locomotora desses animais, o que é indicativo da presença da sensibilização. Então quando um animal está sensibilizado, consideramos que o cérebro dele apresenta as alterações celulares e moleculares que ocorrem nos humanos”, contou Lidia.

Na sequência, o canabidiol foi administrado nos camundongos e seus efeitos nos animais foram verificados de duas formas: por exames de imagem e análises do tecido nervoso. No primeiro caso, foi observado que o canabidiol bloqueou um aumento do metabolismo de glicose causado pela cocaína. No tecido nervoso, foi possível observar que o CBD agiu em alterações celulares e moleculares resultantes do uso da droga. Apesar de sinalizar que o CBD age nas perturbações causadas pela cocaína, os resultados ainda não estão inteiramente consolidados, já que o doutorado de Lidia ainda está em fase de conclusão. “Temos que ter cautela, já que são apenas dados pré-clínicos que acrescentam muito em nosso conhecimento, mas ainda são distantes da aplicação em humanos”, complementa a doutoranda.

Além disso, apesar do grande crescimento do tema na mídia e comunidade científica, o uso medicinal da cannabis ainda é um assunto delicado, tanto pelo tabu envolvendo a Cannabis, quanto pelo pouco tempo de pesquisas feitas sobre o assunto. “As pesquisas relacionadas à Cannabis e aos canabinoides já avançaram muito e trazem resultados importantes e promissores, mas ainda há muito para ser descoberto”, pontua Lidia. A doutoranda ainda ressalta que temos que ter cautela com o assunto para evitar confusões na comunidade não científica.

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