População LGBT não possui o mesmo acesso à saúde que a não-LGBT, aponta estudo

Pesquisa com idosos de todo o Brasil utilizou gênero e orientação sexual como determinantes sociais e constatou desigualdade no oferecimento do serviço

Pesquisa inédita aponta desigualdade no oferecimento da saúde. Imagem: Freepik.com

Entre muitas questões de desigualdade latentes no Brasil, uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP trouxe à tona mais um: o oferecimento dos serviços de saúde por todo o país caracterizado por gênero e orientação sexual. Limitado ao recorte de idosos com mais de 50 anos, grupo de maior necessidade de atendimento médico, o estudo externou que existe uma vulnerabilidade no atendimento à parcela da população que se identifica como LGBT.

Os dados foram coletados a partir da resposta de 6.693 entrevistados, sendo 1.332 identificados como LGBT. A pesquisa concluiu que 31% do grupo LGBT está atendido no que é considerado hoje o pior acesso à saúde no país, enquanto entre os não-LGBTs essa porcentagem cai para 18%. Outros dados coletados que evidenciam a diferença dos grupos são os números de depressão – 37% em LGBTs e 28% em não-LGBTs – e de exames de prevenção, como câncer de mama, câncer de cólon e câncer de colo uterino.

De acordo com Milton Crenitte, médico geriatra e autor da pesquisa, existem alguns fatores que levam aos números desiguais. “A nossa cultura é machista. Isso é um reflexo. Perguntei nessa pesquisa se as pessoas achavam que os médicos e as médicas estavam preparados para lidar com a saúde LGBT”, conta. “Mais da metade achava que era importante falar sobre isso, mas achava também que o profissional não estava capacitado. A maneira como o usuário percebe a disponibilidade do serviço de saúde vai interferir na decisão dele de procurar ou não a ajuda médica”.

O estudo, realizado entre agosto de 2019 e janeiro de 2020, antes da pandemia do novo coronavírus, é uma iniciativa inédita no país, segundo Crenitte. Ele afirma que pesquisas como essa só eram possíveis de ser encontradas no contexto internacional e tem como meta levar a abordagem do envelhecimento da população LGBT para a realidade brasileira.

Como precursor, o médico geriatra acredita na possibilidade de novos recortes da pesquisa em um futuro próximo. “Tem uma escassez de dados. Até para pensar em políticas públicas, a gente precisa desses dados. Acho que essa pesquisa pode ser pioneira para isso”, aponta Crenitte. “O modelo que a gente usou para recrutar os participantes do estudo foi o modelo de ‘Bola de Neve’ [metodologia pautada na divulgação e no alcance, sem a escolha prévia dos entrevistados]. Não dá para falar que a minha pesquisa reflete a realidade da população. Um próximo passo é a gente ter dados mais representativos da nossa população”.

Crenitte complementa que o caminho para o fim dessa desigualdade é baseado em três pilares: a relação, a partir da educação médica e do combate a tabus, preconceitos e discriminações; a organização, em relação ao ambiente e como o serviço oferece hospitalidade a todos os diferentes grupos; e o contexto, entendendo as dimensões socioeconômicas e culturais dos pacientes. Segundo ele, o trabalho desses pontos pode culminar em um futuro melhor para essa questão.

Consoante dados da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a estimativa da população LGBT no Brasil é de cerca de 18 milhões de pessoas. A expectativa, contudo, remete a um número maior: em pesquisa realizada em 2020 pela startup TODXS Brasil, foi constatado que apenas 52% dessa população assume publicamente a orientação sexual ou a identidade de gênero. 

Isso se deve à liderança do Brasil por 13 anos consecutivos entre os países que mais matam pessoas LGBT no planeta, de acordo com dados do relatório da Transgender Europe (TGEU), posição essa que realça o país entre os mais LGBTfóbicos no cenário mundial. A homofobia só foi criminalizada  no território brasileiro em 2019, pelo Supremo Tribunal Federal (STF); declarações de teor preconceituoso podem ser enquadradas como crime de racismo.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*