Exposição à fumaça do cigarro na gestação pode causar problemas neurológicos nos bebês

Estudo feito com camundongos apontou aumento da inflamação e outras alterações no sistema nervoso central das proles

O tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas por ano em todo o mundo. Imagem: Wikimedia

Todos sabemos que o cigarro representa um sério risco para a saúde humana. A fumaça do tabaco possui mais de 7 mil compostos e substâncias químicas, sendo pelo menos 69 destes com potencial cancerígeno. Por conta disso, diversas campanhas pela redução do tabagismo ganharam força neste século e vêm mostrando resultados expressivos, em especial no Brasil. Segundo dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), a porcentagem de brasileiros que afirmam ter o hábito de fumar caiu de 15,7%, em 2006, para 9,3%, em 2018.

Entretanto, o cigarro esconde outro perigoso problema, que é o tabagismo passivo.  Nesse caso, quem inala a fumaça são não fumantes que estão no mesmo ambiente que alguém que está fumando. Essa exposição à fumaça do cigarro no ambiente pode, inclusive, ser mais perigosa que o próprio ato de fumar. Quando sai diretamente da ponta do cigarro aceso, a fumaça não passa por nenhum tipo de filtro e, por isso, pode apresentar, em média, três vezes mais nicotina, três vezes mais monóxido de carbono e 50 vezes mais substâncias cancerígenas do que a inalada pelo fumante. Segundo a OMS, 1,2 milhão de pessoas morrem no mundo por conta do fumo passivo todos os anos, o que representa mais de 10% do total de mortes causadas pelo cigarro.

Tendo em vista esse panorama, a pesquisadora Ana Durão, doutora em Fisiopatologia e Toxicologia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, realizou um estudo sobre os problemas causados no sistema nervoso central de bebês de mães expostas à fumaça do cigarro. A pesquisa foi feita durante o doutorado de Ana e teve artigo publicado na revista científica Frontiers in Toxicology em janeiro de 2022. 

“A ideia para realização deste estudo veio de resultados iniciais do nosso grupo, nos quais vimos que a exposição à fumaça do cigarro aumentava o processo neuroinflamatório nos animais. Além disso, a literatura demonstra que filhos de mães fumantes apresentam mais doenças inflamatórias como asmas e bronquite. Estes dados me levaram a questionar qual seria o papel da exposição à fumaça do cigarro no sistema nervoso da prole de mães expostas durante o período gestacional”, contou Ana.

Testes em camundongos

Coordenada pela professora da FCF-USP, Tania Marcourakis, a pesquisa foi feita com camundongos fêmeas grávidas, que foram expostas à fumaça do cigarro durante os 21 dias de gestação. Após o nascimento, alguns dos filhotes tiveram seu cérebro retirado no terceiro dia de vida para análises celulares, enquanto outros foram mantidos vivos para testes na fase adulta. 

Os resultados da pesquisa apontaram alterações em vários pontos do sistema nervoso central dos camundongos expostos à fumaça no útero de suas mães. Nos cérebros retirados dos recém-nascidos, foi notado que as células da glia — importante grupo celular do sistema nervoso que é responsável pelo combate a patógenos, limpeza de células mortas, controle das concentrações de neurotransmissor, entre outras funções — ficaram mais sensíveis à inflamações. Quando estimuladas no laboratório, essas células produziram maior quantidade de moléculas inflamatórias, as chamadas citocinas. O aumento dessas citocinas está diretamente ligado à diminuição da viabilidade celular, isto é, faz com que mais células do tecido nervoso morram.

Além disso, nestes mesmos cérebros, foi observado um excesso de alguns microRNAs, pequenas moléculas que regulam o processo de produção de proteínas no nosso corpo. Quando um microRNA está em grande número, significa que a proteína na qual ele está envolvido está em baixa quantidade. No sistema nervoso dos camundongos expostos à fumaça do cigarro no útero, foi encontrado uma grande quantidade de microRNA 155, que participa da produção de uma proteína que suprime respostas inflamatórias. Ou seja, isso aumentou o número de moléculas pró-inflamatórias naqueles animais. “Dessa forma, podemos dizer que o aumento deste miRNA está relacionado com piores prognósticos de doenças como Alzheimer e Esclerose Múltipla.”, explicou Ana.

Por fim, os camundongos que foram mantidos vivos após o nascimento foram estimulados a desenvolver Esclerose Múltipla quando adultos. Os animais que haviam sido expostos à fumaça do cigarro desenvolveram a doença de forma mais agressiva tendo sintomas mais acentuados. Isso mostra que o impacto no sistema nervoso central da exposição ao cigarro na gestação perdurou até a fase adulta.

O estudo fica como mais um alerta acerca dos perigos do cigarro, em especial às mulheres grávidas ou que pretendem ter filhos. “Acredito que nosso trabalho traga uma nova visão do assunto, de que não somente os adultos estão expostos aos malefícios do cigarro, mas as crianças também e, principalmente, aquelas que ainda nem nasceram, que estão em desenvolvimento. Nelas, a fumaça do cigarro pode ter consequências anos após o fim da exposição”, concluiu Ana Durão.

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