Cobertura florestal contribui para maior produção de café na Mata Atlântica

Efeito positivo de florestas sobre as lavouras pode favorecer integração entre políticas econômicas e ambientais

Proximidade entre áreas de mata e cultivos agrícolas favorece a ocorrência de serviços fornecidos pelo meio ambiente, como a polinização do café. [Imagem: Alf Ribeiro/Shutterstock]

O café está presente todos os dias na xícara de aproximadamente quatro a cada dez pessoas no mundo e o Brasil tem papel importante tanto no consumo quanto na produção do grão. Responsáveis pela maior exportação global de café nos últimos 150 anos, as lavouras brasileiras estão localizadas predominantemente em áreas de Mata Atlântica, o que levou pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), em parceria com pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidad Nacional de Río Negro (Argentina), a investigar o papel das florestas sobre a produção cafeeira. Os resultados da pesquisa indicam que quanto maior a cobertura vegetal em torno das lavouras maior é a produção de café, especialmente para variedades com alta dependência de polinizadores.

O Brasil bateu recorde de produção na safra de 2020, com 68 milhões de sacas, o que corresponde a mais de quatro bilhões de quilogramas de grãos das duas espécies mais comercializadas no mundo: Coffea arabica (café arábica) e Coffea canephora (café robusta). As duas espécies diferem quanto às condições ambientais para seu desenvolvimento. Enquanto o café robusta se desenvolve em regiões mais quentes, como os estados do Espírito Santo e da Bahia, o café arábica é plantado em regiões mais frias, como São Paulo e Paraná.

Em média, a área do bioma Mata Atlântica produz mais de 28 milhões de sacas de café, o que corresponde a cerca de 60% da produção total brasileira. [Imagem: Reprodução/Café Floresta]

Outra diferença importante é a dependência da polinização — processo de transferência de pólen entre flores de plantas da mesma espécie que possibilita a formação de frutos. O robusta tem alta dependência de polinizadores, principalmente de abelhas sem ferrão, que são responsáveis por transferir o pólen entre as flores de café. Já o arábica depende menos de polinizadores naturais, pois a espécie tem capacidade de realizar autopolinização, ou seja, a transferência de pólen não precisa ser mediada por espécies animais. 

A polinização e outros serviços oferecidos pelos ecossistemas, como o controle natural de pragas, são sensíveis a mudanças na cobertura vegetal de cada região. Pensando nisso, a equipe de pesquisadores utilizou dados de 610 municípios dos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Paraná para analisar as relações entre produção anual média de café, cobertura florestal em torno das lavouras e área de floresta total de cada município. Para avaliar potenciais efeitos de outros fatores sobre a produção cafeeira, também foram coletadas informações sobre variáveis climáticas, de solo e de manejo agrícola, como irrigação, uso de pesticidas e uso de adubo orgânico. 

Entre todos os fatores analisados, a cobertura florestal em torno das plantações foi a mais importante para determinar a produção de café: os municípios mais produtivos são aqueles onde a área ao redor das lavouras tem 20% ou mais de floresta. Esse efeito é maior nos municípios em que a variedade robusta, que depende totalmente de polinizadores, é predominante. 

No entanto, além da redução de polinizadores, a perda de vegetação também pode dificultar o deslocamento de aves, morcegos e invertebrados que contribuem para diminuir pragas agrícolas, como minadores de folhas.

 

A ação de polinizadores em cultivos de café gera aumento de 30% no rendimento, segundo o “Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimento no Brasil”, realizado em 2019 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador. [Imagem: Adrian González Chaves]

Para o biólogo Adrian González Chaves, que faz doutorado em Ecologia no IB-USP e é o autor principal do estudo, os resultados reforçam a importância de integrar uma grande quantidade de informações já existentes em diferentes bancos de dados, como os do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), origem das informações sobre o manejo dos cultivos. “Os produtores têm interesse em aumentar a produtividade e precisam cumprir com o previsto no Código Florestal. Então podemos usar as informações disponíveis para guiar a tomada de decisão de como e onde restaurar [a vegetação] e criar metas em conjunto”, afirma o pesquisador.  

Atualmente, a legislação ambiental brasileira exige que propriedades rurais de médio e grande porte conservem 20% de sua área como vegetação nativa, inclusive por meio da restauração de áreas onde a vegetação foi retirada no passado. Porém, essa compensação pode ser feita em outros lugares, longe da lavoura principal, por meio da compra de outras terras com florestas. Pequenos produtores que não tenham zonas de conservação obrigatórias em suas propriedades, como topos de morro, também não precisam respeitar o limite mínimo de 20% de vegetação nativa. Com isso, a lei atual não estimula que produtores de café se beneficiem dos serviços ecossistêmicos ligados à conservação, o que poderia aumentar a produtividade de suas lavouras ao mesmo tempo em que favorece a preservação de espécies. 

“Espero que nosso trabalho possa facilitar que pessoas interessadas, como produtores, gestores e consumidores, possam ter informações integradas sobre as condições de produção do café, em uma troca para um sistema de planejamento agrícola, ambiental e de consumo mais sustentável”, complementa Adrian. 

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