Estudo no Acre avalia impacto da malária no sistema cardiovascular

Pesquisa na cidade de Cruzeiro do Sul avalia relação entre infecções por malária e desenvolvimento de doenças como a hipertensão

Larvas do mosquito vetor da malária [Imagem: Cecília Bastos/USP Imagens]

Um estudo desenvolvido no Acre pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP pretende avaliar se a infecção por malária aumenta o risco de desenvolver doenças cardiovasculares. O projeto faz parte da tese de doutorado de Laura Cordeiro Gomes, mestra em ciências da saúde e doutoranda do Departamento de Parasitologia. A pesquisa é orientada pelo professor Cláudio Marinho, chefe do Laboratório de Imunoparasitologia Experimental.

Cruzeiro do Sul, cidade natal de Laura e lugar de desenvolvimento da pesquisa, está localizada no Vale do Juruá, uma das regiões que concentra o maior número de casos de malária no Brasil. As áreas endêmicas da doença no país hoje não têm uma distribuição homogênea, ou seja, são pontos no mapa que se concentram principalmente na região amazônica. 

O tratamento de malária é amplamente distribuído no país pelo sistema de saúde, mas a normalização da doença é comum em áreas endêmicas devido ao alto número de infecções. “As pessoas acabam banalizando e esquecendo dos riscos da malária. Por mais que seja uma infecção que quando tem um tratamento precoce que em geral vai ter um bom desfecho, um percentual de pessoas pode desenvolver complicações ou formas graves, como a malária cerebral, malária pulmonar ou em caso de gestantes, complicações na gravidez”, afirma Laura.

A malária é causada por um protozoário chamado Plasmodium spp. No Brasil, há 3 espécies do parasita: vivax, falciparum e malarie. Laura explica que o último é responsável por menos de 1% dos casos, enquanto o P. vivax causa mais de 80% dos casos. Os demais casos são causados por P. falciparum. A transmissão da doença acontece por meio do mosquito Anopheles, ou mosquito-prego, que esteja infectado por Plasmodium spp.

Apesar de o P. falciparum causar, em geral, infecções mais agressivas, Laura explica que o P. vivax tem uma especificidade, que são os relapses, ou recaídas. As recaídas ocorrem quando o paciente apresenta formas “adormecidas” do protozoário no organismo, chamadas hipnozoítos, que são reativadas em dado momento. Isso indica que a pessoa pode voltar a manifestar a infecção meses depois, mesmo após o tratamento da doença. Por isso, o P. vivax tende a ser foco dos estudos no Brasil, enquanto no continente africano, onde se concentram a maior parte dos estudos na área, a maioria dos casos ocorre por P. falciparum.

A pesquisa deriva de um projeto principal intitulado Impacto da malária na estrutura e função cardiovasculares, no qual os pesquisadores fizeram coletas de dados e material no Acre de junho de 2020 até agosto de 2021, atendendo mais de mil pacientes. O estudo principal é uma colaboração da Universidade Federal do Acre (UFAC) com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo e a Universidade de Copenhague, da Dinamarca. O objeto de pesquisa é tema recente na ciência, e estudos têm mostrado que doenças infecciosas podem impactar o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, como as cardiovasculares.

“Atendemos três tipos de pacientes: pessoas que já tiveram malária, pessoas que nunca tiveram malária e pacientes que estavam com malária”, conta Laura. Em todos os pacientes foram feitos exames laboratoriais de rotina, e aplicado questionário sobre história clínica e hábitos de vida, como alimentação, histórico de tabagismo e uso de álcool, fatores que por si só podem aumentar o risco de desenvolver doenças, destaca a pesquisadora.

A investigação envolve avaliar o perfil inflamatório dos pacientes, por meio de citocinas e quimiocinas anti e pró inflamatórias, além de marcadores de ativação endotelial. Segundo Laura, os níveis desses marcadores aumentam quando o endotélio — camada que reveste o interior dos vasos sanguíneos — perde a homeostasia (equilíbrio), no momento em que ocorre a inflamação. 

Caracterizar a inflamação é importante para avaliar se pacientes com malária apresentam ativação endotelial maior, pois a ativação duradoura poderia causar uma disfunção endotelial, aumentando risco de hipertensão, que é “uma grande porta para o desenvolvimento de várias outras doenças cardiovasculares”, informa a doutoranda.

Nos pacientes com malária, uma nova avaliação era feita 30 dias depois da coleta. O objetivo era verificar se haveria persistência da inflamação. Para isso será avaliado a permanência ou diminuição dos marcadores após este tempo.

Os resultados do estudo podem ser de grande importância para a forma como se considera e se responde às doenças cardiovasculares em áreas endêmicas de malária. Segundo Laura, a compreensão do papel da inflamação e suas consequências para a saúde cardiovascular pode abrir caminhos para novas pesquisas na área.

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