Relógios biológicos: como a vida vê as horas?

A cada tic-tac do ponteiro, a humanidade conhece e aplica melhor a complexidade das engrenagens dessa máquina da vida chama de relógio biologico. [Imagem: Walace de Jesus]

Por Giovana de Oliveira, Guilherme da Gama Vieira, Juliana Matias, Luísa Hirata e Wálace de Jesus

Você já se perguntou por que dormimos durante a noite e ficamos acordados durante o dia? Pode parecer óbvio, mas tudo isso faz parte do nosso relógio biológico. Ele é responsável por identificar a ausência da luz solar, um dos indicadores que nos faz ter sono, por exemplo. As plantas também conseguem identificar quando não há mais luz, passando a utilizar a energia produzida durante o dia para manter seus processos fisiológicos em andamento. Cada um com sua particularidade, cada um no seu tempo.

A área que estuda esses fenômenos é a Cronobiologia, o que já é bem sugestivo. Nos últimos quatro séculos, cientistas do mundo inteiro teorizaram, fabularam e testaram o relógio dos seres vivos até formularem o conceito como é conhecido hoje. Mesmo sendo uma área relativamente nova, a Cronobiologia traz explicações importantes sobre a adaptação dos seres vivos ao longo da evolução, o sono humano e o impacto da crescente exposição à luz artificial em nossa espécie e em seres à nossa volta.

Dois passos para lá, um para cá

Os primeiros microrganismos surgiram na Terra há pelo menos 3,5 bilhões de anos. Um dos fatores que fez desse planeta rochoso um promissor lar para esses seres primitivos foi sua habilidade de “dançar” na via Láctea. 

Nosso planeta se movimenta no espaço — e com ritmo. O percurso de translação em torno do Sol acontece sempre na mesma direção e sentido no formato de uma órbita elíptica, como um ovo. A esse deslocamento cíclico dá-se o nome de ano trópico, ou apenas ano, que leva em torno de 365 dias solares para se completar. Esses dias correspondem a outro movimento da Terra: a movimentação em torno de si mesma, chamado de rotação, que ocorre graças ao nosso satélite natural, a Lua, que estabiliza seu eixo. Urano, por exemplo, não teve a mesma sorte: sem uma lua, sua inclinação é de cerca de 90 graus, o que significa que ele [Urano] gira tombando. Aqui [na Terra], um dia solar, que corresponde ao tempo que transcorre entre duas passagens consecutivas do Sol, leva 23 horas 56 minutos e 4,09 segundos (as “famosas” 24 horas) e entender isso não é uma expertise humana. 

A Cronobiologia nos divide em pessoas matutinas (12%), vespertinas (8%) e intermediárias (80%)  [Imagem: Reprodução/ Freepik]
De acordo com uma teoria da astrobiologia das primeiras formas de vida, exposta no documentário Explicando (Netflix), as células que se dividiam durante o dia eram danificadas pelos raios ultravioletas do Sol, já as que aprenderam a fazer isso à noite sobreviviam. Isso mostra que acompanhar o tempo pode ter sido fundamental para a evolução da vida na Terra, o que só foi possível porque o tempo na Terra é cíclico e ritmado. Dois passos para lá, um para cá, assim, sincronizando suas atividades com a dança cósmica do planeta, cada ser vivo — de bactérias unicelulares até peixes, aves, insetos e nós humanos — aprendeu a possuir um relógio interno, o relógio biológico. 

Definição de Astrobiologia. [Imagem: Walace de Jesus]
Por essa percepção da passagem do dia, esse mecanismo também é chamado de ritmo ou ciclo circadiano (que, do latim, circa, é ‘cerca de’ e diem, ‘dia’). É através desse ciclo de cerca de um dia que todos os organismos regulam e controlam suas atividades metabólicas (seja dormir, caçar ou se reproduzir), sincronizando-as com as 24 horas. 

Mas nem sempre foi assim. O dia solar já durou alguns minutos a menos. “Quando, há cerca de 100 milhões de anos, existiam dinossauros passando por aí, o dia era mais ou menos meia hora mais curto”, conta Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Mas os dinossauros não podiam reclamar da falta de tempo: acredita-se que há cerca de meio bilhão de anos, o dia tinha pouco mais de 22 horas e um ano, quase 400 dias. O que regula o período do dia terrestre é a interação Terra-Lua e, de acordo com o professor, as forças de maré que atuam nesse sistema foram e estão lentamente diminuindo o período de rotação do planeta. 

A força gravitacional da Lua atua diferentemente sobre a Terra a depender da posição do satélite e explica as marés. Quando a Lua está mais próxima de uma porção oceânica, a tração gerada sobre esse corpo d’água é maior a ponto de “puxá-lo”, o que gera a maré alta neste local e, consequentemente, a maré baixa em outro. Esse sobe e desce do nível do mar freia a rotação da Terra, lentamente; o dia desacelera.

Costa explica que se trata de uma consequência das leis de conservação da física do momento angular ou da quantidade de movimento. “Esse sistema não é um dissipativo; a energia não se perde. Então, o movimento das águas diminui o seu período de rotação da Terra e outra consequência é o lento afastamento da Lua”. Estimativas dizem que, a cada ano, a Lua está 3,74 centímetros mais longe e, a cada século, os dias estão 1,7 microssegundo mais longo, o que explica que, de anos em anos, precisaremos adicionar alguns segundos nos nossos relógios atômicos — e também nos nossos relógios internos. 

Essa variação no ritmo do planeta mudou, e a vida aprendeu a dançar conforme a música. Os cientistas acreditam que essa mudança é imperceptível para as espécies, mas que, ao longo de muito tempo, os seres evoluíram junto com elas, sincronizando seus relógios. “Os ciclos biológicos de evolução das espécies são da escala de milhões ou dezenas de milhões de anos, muito mais rápidos que as mudanças de movimento da Terra”, afirma Costa. Assim como há muito tempo os animais eram mais peludos para resistir às baixas temperaturas e depois se adaptaram para climas mais amenos, os futuros seres estarão atualizados quanto a dias mais longos. 

Segundo Claudia Moreno, doutora em Saúde Pública pela USP, a Cronobiologia — responsável por estudar essa influência do ritmo circadiano na vida de todos os seres vivos — só foi organizada por volta da década de 1960.  Antes disso já havia estudos que analisavam os relógios biológicos através da temperatura corporal e observações dos melhores horários para administrar um medicamento, por exemplo.                                                                                                

Essa característica evolutiva permitiu que os seres vivos se adaptassem à realidade: “Eles [os horários] foram sincronizados de uma forma que sejam previsíveis. Então, os organismos puderam se antecipar para a queda da temperatura que acontece à noite, puderam usar o horário melhor para caçar as presas e assim por diante”, afirma Moreno.

Para além dos dias solares, outro ciclo natural, os anos, também são formas de a vida perceber a passagem do tempo. As plantas, por exemplo, usam o ritmo das estações para saber a hora certa de florir, perder as folhas e crescer. As marés também são indicativos para a vida marinha conhecer a condição do dia. 

A vida marinha, segundo Gisele Oda, professora doutora do Instituto de Biociências (IB) da USP, pode se sincronizar pelos ciclos bióticos diários resultantes de migrações verticais diárias de diversos organismos.

Até mesmo animais que têm pouco contato com a luz conseguem fazer a regulação com o ambiente. Oda explica que alguns roedores subterrâneos mantêm seu relógio biológico sincronizado com apenas minutos diários de exposição à luz do sol. Organismos que vivem em cavernas profundas e escuras, por exemplo, sincronizam com base na disponibilidade de alimentos e na temperatura.

Do fogo ao Led

Há milênios a humanidade usa o fogo como forma de iluminação artificial para manter atividades noturnas, uma novidade para um organismo que evoluiu com o relógio biológico controlado pela luz e ausência dela. De lá para cá, as tecnologias e o acesso e uso de luz mudaram — e a nossa saúde também. 

Depois da descoberta do fogo em 7 mil a.C., um grande marco no domínio da luz aconteceu com o advento da energia elétrica em luz no início do século 20. De acordo com Eder Ferreira, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, a luz elétrica proporcionou às pessoas o acesso à iluminação de forma mais segura, porque as formas anteriores com óleos e combustão apresentavam elevado risco de incêndio. Nos últimos 140 anos, as tecnologias foram aprimoradas e nós passamos a ter fontes mais eficientes (consumindo mais luz com menor custo de energia).

Assim ficou barato e fácil de iluminar o jardim, as ruas, os corredores, piscinas e todo e qualquer canto escuro de casa. Com as lâmpadas de Led, para nós, pode ser dia para sempre. Mesmo sem iluminação artificial, no extremo Norte da Terra, nas regiões polares, o “dia” pode durar até seis meses. Esse fenômeno, chamado de Sol da Meia-Noite, acontece devido à inclinação do planeta em relação à nossa estrela, que ilumina constantemente um polo e deixa o oposto às escuras. 

Entretanto, para os seres que vivem nessas regiões, essa forma de “não passagem” do dia e da noite não é uma novidade, fazendo parte da sua forma de controlar o metabolismo. Para nós humanos, não é bem assim. De acordo com Ferreira, na atualidade, o uso de luz pode ser considerado exagerado porque, naturalmente, não teríamos luz por tantas horas no dia. “Todo esse acesso a essas tecnologias proporcionou uma distorção ao uso natural da luz”, afirma. 

Segundo Ferreira, grandes quantidades de luz têm impacto negativo no relógio biológico humano e, se a luz for branca, o impacto é maior ainda. Ao final dos anos 1990, a necessidade global de economia de energia elétrica impulsionou a troca das lâmpadas incandescentes (aquelas com filamento que acende uma luz amarela e quente) pelas lâmpadas fluorescentes, que emitem luz branca. As pesquisas na área da influência dos espectros da luz na saúde humana mostram que o barato pode ter saído caro. 

Assim como os vegetais possuem fotorreceptores nas folhas e caules, nós possuímos um conjunto deles na retina. Entre elas, estão as células ganglionares, que levam informações luminosas para regiões específicas no cérebro, como o hipotálamo, que regula a produção de hormônios como melatonina e cortisol.

O comprimento de luz mais sensível a essas células mede entre 459 e 484 nanômetros, o que chamamos de azul. A ausência dessa frequência ativa a produção de melatonina e inicia o ciclo de repouso do corpo humano: desativa o sistema digestivo e reduz a pressão arterial e a temperatura corporal. Diferente da luz amarela, a branca tem mais luz azul e sua presença na nossa retina ativa a produção de cortisol, responsável pelo bom estresse, ou seja, pela ativação dos sistemas digestivos e cardiovasculares. “Essa troca para luz branca foi econômica, mas influenciou no ciclo circadiano das pessoas, por ativar mais células e por isso a sensação de que ela ilumina mais”, completa. 

Essa exposição exacerbada de luz — e, principalmente, de luz azul — é vista como uma anomalia na programação natural do nosso corpo. O ideal seria de noite usar luz vermelha ou quase luz nenhuma.

Os inimigos do ciclo circadiano humano

De acordo com o pesquisador Eder Ferreira, o principal vilão para o relógio biológico humano é o celular, mas as configurações já possuem a configuração de luz noturna, com menos onda azul. As televisões atuais têm uma influência baixa e quase nula, apesar de que elas vêm ganhando cada vez mais tamanho. “Espero que, num futuro próximo, essas configurações já venham habilitadas de fábrica e as pessoas tenham mais consciência quanto ao uso e buscando opções mais saudáveis no mercado”, afirma.   

Como explica Claudia Moreno, há três horários que precisam ser lidados pelos seres humanos: o ambiental, interno e o social. O ambiental se refere às mudanças entre o dia e a noite; o interno é o ritmo de 24 horas do corpo, e o social, aquele seguido a partir dos relógios de pulso. Um dos maiores problemas dos ciclos circadianos é quando ocorre uma dessincronização desses três horários. “A dessincronização acontece porque o horário social fala para a pessoa que ela tem que trabalhar à noite, a madrugada inteira. Mas o ambiental e o interno dizem que é noite e que, portanto, ela devia estar descansando e dormindo”, explica Moreno.

Impedir a sincronização entre esses três horários pode criar graves problemas de saúde. Esse é o caso de diversos trabalhadores da área da saúde, por exemplo, e de outros profissionais que trabalham em sistemas de turnos variáveis. Moreno defende que esse modelo de trabalho tem o mesmo efeito para o cérebro humano que viajar diferentes fusos horários em um mesmo dia.

O hipotálamo anterior que compõe o encéfalo do cérebro é responsável por controlar a temperatura do corpo humano, a frequência cardíaca e ingestão de alimentos, por exemplo. [Imagem: Reprodução/Freepik]
Não é à toa que trabalhadores noturnos têm o direito garantido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) de receber uma remuneração 20% maior por realizar o trabalho em horários inadequados para o corpo humano. No entanto, segundo Moreno, as pessoas passaram a vender a saúde por conta desse adicional salarial.

As consequências são diversas quando ocorre uma ruptura circadiana — conceito que define a dessincronização de horários. Além da exaustão no trabalho noturno, há também o risco aumentado para câncer de mama, próstata, cólon e reto. Os danos, de acordo com Moreno, são ainda mais presentes em pessoas de idade avançada. Em pessoas mais idosas, a ruptura circadiana pode ocasionar com maior frequência doenças cardíacas, gastrointestinais, distúrbio do sono e de humor. 

Um desafio ainda existente é a identificação das “doses” de risco da ruptura circadiana. Não há dados suficientes para mensurar qual a quantidade de turnos à noite necessários para ter a chance de a pessoa adoecer. Portanto, é uma área da saúde que ainda possui grande potencial de estudo.

Os tipos temporais

Outro aspecto da dessincronização se dá em relação aos tipos temporais. A Cronobiologia divide as pessoas em matutinas, vespertinas e intermediárias de acordo com seu ritmo circadiano. As matutinas preferem dormir e acordar mais cedo, as vespertinas dormem e acordam mais tarde do que a média da população, e as intermediárias, que compõem a maior parte da população, são mais flexíveis quanto aos horários.

Cada pessoa tem um dia interior específico, que pode variar entre 23,5 horas a 24,5 horas, assim como um tipo temporal. “As pessoas têm preferências de certas horas no dia para exercer suas atividades ou dormir. Então, tem gente que acorda cedo muito feliz, gosta de fazer tudo de manhã, e dorme cedo. E outras detestam isso, são pouco produtivas pela manhã e à medida que o tempo passa vão melhorando e à noite se sentem super bem, normalmente indo dormir tarde”, explica Mario Pedrazzoli, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidade (EACH/USP) e doutor em Psicobiologia que vem pesquisando a relação entre os relógios biológicos e o sono.

Os adolescentes são naturalmente mais vespertinos, o que significa que é mais difícil para o corpo deles acordar mais cedo. Por isso, existem iniciativas baseadas nesse conhecimento da Cronobiologia recomendando o atraso em uma hora do início das aulas da manhã para os adolescentes. Em geral, os vespertinos têm o sono encurtado pelos horários sociais, o que prejudica sua qualidade de vida.

“Quando essa situação é crônica, há riscos de a pessoa desenvolver problemas cardiovasculares, cognitivos, obesidade, diabetes, depressão e síndrome do pânico”, afirma Pedrazzoli. Talvez fosse o caso de rever o sermão que costumeiramente alguns pais dão em seus filhos por demorarem tempo considerável para levantar.

Uma breve história da Cronobiologia

Infográfico sobre a cronologia dos conhecimentos sobre relógio biológico. [Imagem produzida pelo grupo]

E como a Cronobiologia pode solucionar os nossos problemas?

Com o uso frequente de tecnologias como celulares e notebooks, Moreno afirma que há maior chance de as pessoas terem problemas de sono e outras doenças relacionadas à dessincronização dos horários biológicos. Para impedir complicações à saúde, a pesquisadora recomenda, evitar o uso de eletrônicos pelo menos uma hora antes de dormir. Essa exposição faz com que a retina humana absorva ondas de luz azul e entenda que ainda é dia.

Em média, o brasileiro passou cerca de 4,8 horas diante da tela do celular em 2021. O Brasil é o segundo país no mundo que mais usa o aparelho durante o dia, atrás apenas da Indonésia (5,2 horas/dia, aponta pesquisa da APP Annie [Imagem: Reprodução/Freepik]
E é possível que a pessoa nunca perceba que sua insônia ou qualquer outro problema relacionado ao sono esteja ligado ao seu dia interior. “Nem a medicina leva essa informação [do ciclo biológico] em consideração ainda, porque esse conhecimento é relativamente novo. Mas entender isso é importante para tratar o corpo”, explica Pedrazzoli. 

Na maioria das vezes, o médico prescreverá um remédio para dormir, que, para Pedrazzoli, é a “pior” opção. “Só terá um efeito temporário, e a pessoa tende a ficar dependente do remédio”. Além disso, esse tipo de medicação tem a condição da tolerância: é preciso aumentar a dose ao longo do tratamento para obter o mesmo efeito. “Até que chega um momento que não dá mais. Aí a pessoa não dorme nem com o remédio nem sem o medicamento.”

Estudos mais recentes na área da Cronobiologia apontam que diferentes pessoas não são afetadas pela exposição à luz da mesma maneira. Segundo Moreno, isso pode ser um indicativo de que ao longo da evolução os seres humanos se adaptarão às mudanças entre claro e escuro de forma mais harmônica.

De acordo com a pesquisa da Associação Brasileira do Sono, 65% da população brasileira revelou que tem problemas com a qualidade do sono em 2019. Ainda segundo a pesquisa, 64% das pessoas entrevistadas disseram utilizar aparelhos eletrônicos antes de dormir. [Imagem: Reprodução/Pixabay]
Enquanto somos afetados por essas questões, um tratamento da Cronobiologia para ressincronizar o dia interior das pessoas é a exposição regular ao ciclo claro/escuro. “Se expor ao sol pela manhã por pelo menos 30 minutos, evitar ao máximo a luz durante a noite em momentos que ela não é realmente necessária e ficar no escuro o mais cedo possível para dormir”, orienta Pedrazzoli. O uso adequado da melatonina também ajuda. 

É uma rotina que exige bastante disciplina para mudar os hábitos, entre eles acordar e dormir nos mesmos horários todos os dias e, apesar da tentação, não levar o celular para a cama.

Nesse caso, quem trabalha durante a noite precisaria trocar de turno ou até mesmo de emprego. Apesar de não ser uma opção viável para a maior parte da população, Pedrazzoli acredita que a divulgação das descobertas da Cronobiologia para melhorar a saúde humana pode ajudar a tornar esse tratamento uma realidade para quem sofre com a rotina da modernidade. 

Na fauna, os efeitos da poluição visual e sonora das grandes cidades também podem ser sentidos. Segundo Gisele Oda, as iluminações públicas atenuam o ciclo natural do claro/escuro e impactam diversos organismos que possuem atividades associadas aos crepúsculos.   

Além da luz, o som das avenidas também pode perturbar esse sistema. A professora explica que algumas aves diurnas têm adiantado seu canto para horários mais silenciosos da madrugada. Segundo ela, estão sendo encontradas fortes associações entre os níveis sonoros do local e a antecipação das aves. Isso acontece porque, naturalmente, esses animais usam a percepção sonora para entender o ritmo da Terra e, até os carros chegarem, estavam acostumados com noites silenciosas. 

Oda também comenta que a iluminação pública e a atração que essa luz exerce têm impactado a ação de insetos vetores de doenças. “Um estudo realizado em diversos vilarejos no México demonstrou que as casas infestadas por insetos eram significativamente mais próximas de postes de iluminação pública. Essa questão não envolve mudança no ritmo noturno de atividade, mas impacta a distribuição espacial da atividade desses vetores.”

Os conhecimentos sobre o relógio biológico são empregados há tempo na indústria. Um dos maiores exemplos são as granjas, em que são usados programas de luz artificial para “corrigir características indesejáveis”. Em geral, aumenta-se o tempo de exposição das galinhas à luz, como semanas sem intervalo de escuro. 

O objetivo é elevar a produtividade, afinal, essas aves põem ovos apenas durante o dia, e acelerar seu ciclo reprodutivo — gerando mais e mais animais. Esse controle da luz também é usado na agropecuária para simular o habitat do animal em um local que apresenta diferentes padrões de noite e dia. 

De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal, em 2020 o Brasil produziu mais de 53,5 bilhões de ovos com consumo de 261 ovos per capita [Imagem: Reprodução/Pixabay]
Na agricultura, alterar os padrões luminosos também é uma forma de mexer com a percepção das plantas sobre a passagem das estações. Carlos Hotta, professor do Instituto de Química (IQ) da USP, coordena um grupo de pesquisa que busca entender as relações entre fisiologia e luz para aumentar a produtividade de cultivares vegetais de grande valor econômico. Em seu recente estudo, as análises de uma lavoura de cana-de-açúcar mostram que, em breve, pode ser possível manipular microclimas dentro de uma mesma plantação e influenciar seu comportamento a favor da agricultura. 

Estudos como esse nos ajudam até mesmo a modificar as luzes públicas para minimizar impactos ambientais e entender seus efeitos nos seres. A cada tic-tac do ponteiro, a humanidade conhece e aplica melhor a complexidade das engrenagens dessa máquina da vida.

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