A Shein e a tendência ao fast fashion

O aumento exacerbado do consumo de roupas no site da Shein e a dificuldade de se diminuir o consumo de roupas do estilo fast fashion

Trabalhadores em uma fábrica de roupas na Indonésia. (Foto: Rio Lecatompessy/Unsplash)

Por Aline de Almeida Novakoski, Beatriz Hermínio, Beatriz Lopomo Pereira, Sofia Kercher da Silva e Thiago Gelli Carrascoza 

A moda rápida, ou fast fashion, é um modelo de negócio que consiste na rápida produção de roupas e em uma renovação constante das coleções nas prateleiras, apostando na produção em massa e no consumo acelerado de novidades. Diversas empresas fazem ou já fizeram parte desse mercado, entre elas estão Zara, Forever 21, C&A, Renner, Marisa, Riachuelo, Hering e Shein, que tem sido muito comentada na internet nos últimos tempos.

Em seu site, a empresa Shein se define como uma “empresa internacional de comércio eletrônico de fast fashion”, com foco em roupas femininas, apesar de também ofertar roupa masculina e infantil, acessórios, sapatos, carteiras e “outros artigos de moda”. A empresa envia seus produtos para mais de 220 países e territórios no mundo. 

Fundada em 2008 na China, quando vendia apenas vestidos de noiva, a empresa como conhecemos hoje foi renovada em 2012, época em que passou a comercializar moda feminina no geral. Com processo totalmente online, através de site e aplicativo, a Shein trabalha com valores muito abaixo da média da concorrência. A empresa viralizou nos últimos anos com forte presença nas mídias sociais e apelo para as tendências da geração Z reproduzidas nos mais variados estilos de roupas

Em relatório referente a outubro de 2021 feito pela Conversion, consultoria de performance e SEO, a Shein aparece em 4º lugar no ranking de importados, atrás de Shopee, AliExpress e Amazon. Seu share of search, dado referente ao total de buscas pela marca feitas no google, é de 13,9%. Segundo o relatório, o setor de moda e acessórios no Brasil apresentou aumento de 4,06% em relação a setembro, sendo o 3º setor com maior crescimento.

Fast fashion nas redes

Com o grande aumento do uso das redes sociais, e os vídeos de moda cada vez mais em alta, as influencers desse universo renovam com cada vez mais frequência seus guarda-roupas para não perder nenhuma tendência. Os looks para vídeos de Tik Tok, Youtube e Reels, por exemplo, precisam ser produzidos em muita quantidade para possuir o alcance que os algoritmos dessas redes sociais consideram satisfatório.

E a Shein virou um grande polo de compras para esse tipo de produção de conteúdo, vídeos com títulos chamativos como “Gastei 1000 reais na Shein e olha no que deu”, o incentivo ao consumo exagerado e o desejo de cada vez mais tendências. É difícil fazer análises estando no meio desse período de consumo exacerbado, porém, como pontua Laura Germano Matos, mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, e desenvolvedora de pesquisa sobre o fast fashion: 

‘Hoje o maior marketing do setor de vestuário está no formato digital, acredito sim que esses tipos de vídeos incentivam um consumo maior e despreocupado de questões mais sensíveis. A mensagem de muitos desses conteúdos na internet é sobre uma hipervalorização da quantidade de peças e dos preços baixos pagos por elas, com pouca reflexão sobre qualidade, vida útil, processo produtivo, mão de obra envolvida, descarte ambiental dos produtos, etc.”

Porém, em entrevista à Agência Universitária de Notícias, a jornalista e repórter moda da Elle Brasil, Bárbara Poerner, traz um ponto importante: 

“Existe uma implicância. A Shein não inventou o fast fashion, é um método produtivo que vem se desenvolvendo há algum tempo. Precisamos pautar outras formas de consumo, pois a geração Z está no meio do consumo exacerbado. Isso tem muito a ver com as mídias. Nascemos com esse boom das mídias, as coisas são muito rápidas, mudam o tempo todo.”

Impactos ambientais

Assunto recorrente nas manchetes, os impactos ambientais causados pela indústria da moda, principalmente pelo nicho da chamada “fast fashion”, tomaram conta das discussões que envolvem todos os processos desse mercado. 

Um artigo publicado em 2018 na na revista científica Environmental Health alertou sobre os impactos ambientais do processo de produção de peças de roupas. A etapa da obtenção dos suprimentos têxteis que conta com o cultivo do algodão, por exemplo, exige uso intensivo de água, enquanto tecidos sintéticos, como o poliéster, são derivados do petróleo. 

Essa etapa ainda é responsável pelo despejo em rios de líquidos residuais não tratados usados no tingimento, o que pode liberar substâncias tóxicas e metais pesados nas fontes de água locais. 

Um relatório produzido pela Ellen MacArthur Foundation revelou que, a cada ano, 500 bilhões são perdidos com o descarte de roupas nos aterros. A indústria, motivada pelo ciclo de vida curto de coleções e tendências, se desfaz de quantidades massivas de produtos. Segundo dados da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT), somente no Brasil, a indústria da moda gera 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano.

O ritmo de consumo atual, em consonância com a tendência de descarte, também é exagerado. Estatísticas da Ellen McArthur Foundation salientaram que a produção de roupas dobrou entre 2004 a 2019, sendo que o consumidor médio comprou 60% mais roupas em 2014 do que no início dos anos 2000, como mostra reportagem do site McKinsey. 

Além disso, hoje a indústria da moda é responsável por até 10% das emissões de gás carbônico na atmosfera, detalha reportagem online da Revista Exame. O poliéster, por sua vez, é responsável sozinho pela emissão anual de 32 das 57 milhões de toneladas globais, sendo que são necessários mais de 200 anos para que essa fibra se decomponha. 

Em novembro de 2021, notícias relacionadas ao Deserto do Atacama, localizado na região norte do Chile, tomaram as manchetes dos principais jornais em razão da transformação de parte do espaço em destino para o descarte de roupas, em sua maioria vindas da Europa, Estados Unidos e Ásia. 

Reportagem da Folha publicada em 11 de novembro de 2021 revela que pelo menos 39 mil toneladas de roupas e tecidos descartados acabam como lixo na área de Alto Hospício.

A maior problemática dessa forma de descarte é que as roupas não são biodegradáveis e contém produtos químicos, o que resulta em reações que liberam poluentes no ar e nos corpos d’água subterrâneos. 

Distribuição de renda x consumo

Para Bárbara Poerner, o foco da conversa precisa ser a redistribuição de renda. De acordo com a jornalista, o ponto essencial da conversa não pode focar apenas nas questões que estão na ponta do iceberg. A moda como conhecemos hoje é produto de um sistema capitalista que tem como base a exploração do trabalhador e a desigualdade de renda, o que acaba refletindo em muitos âmbitos da sociedade. Com a moda, não seria diferente.

“Falamos muito sobre a democratização da moda. Mas, para fazer isso, precisamos passar por outros fatores, como a redistribuição de renda, melhores condições de trabalho… assim, pensamos em uma moda mais democrática não por meio do consumo, mas por meio dos impactos que ela causa”.

Bárbara se refere aqui a uma ideia introduzida pela Shein de moda plus size. A plataforma tem uma página inteira dedicada para corpos gordos, e muitas pessoas que não encontram roupas adequadas em lojas de roupa tradicionais puderam fazê-lo por meio do e-commerce chinês. Por essa razão, muitos dizem que a Shein “democratizou” a moda, dando acesso aos corpos geralmente rejeitados a roupas que realmente foram feitas para eles.

Para ela, é necessário repensar essa ideia de democratização, pois democracia não vem com o fato de aceitar esses grupos excluídos as custas de uma mão de obra precarizada e danos ao meio ambiente. “É preciso repensar a forma de consumo, tanto em um nível individual quanto coletivo. Além de pensar em todas as questões ambientais e trabalhistas envolvidas na indústria da moda e seus impactos, há também uma ponderação individual que o consumidor deve passar a adotar, seja baseada nos seus valores pessoais quanto no aspecto financeiro, considerando a relação custo-benefício”, complementa Laura.

“É um assunto muito complicado de abordar considerando um país tão desigual em termos de renda como o Brasil. Mas a educação para consumo é um processo lento que já encontra sementes no mercado brasileiro”, diz a advogada.

Conclusão

Tal desigualdade social própria do Brasil amplifica questões sobre o futuro do consumo. A prática automatizada e insustentável ainda é parte natural da vida de muitos, que ou não se familiarizaram com a conversa acerca do fast fashion, ou não podem arcar com o desfalque financeiro apresentado pela compra de peças novas e de qualidade em tempos de inflação e pandemia. Por outro lado, alternativas surgem.

O mercado dos brechós, por exemplo, tem sido um grande expoente dos últimos anos. As roupas de segunda mão caíram nas graças não apenas da clientela popular, como até penetraram o âmbito de tapetes vermelhos, onde as tendências se solidificam. Na última edição do Video Music Awards (VMA), por exemplo, a cantora pop em ascensão Madison Beer trajou um vestido usado 18 anos atrás por Beyoncé. Divorciada do quesito ambiental, a cultura de reaproveitamento de roupas agora se associa diretamente ao apelo do vintage, ou seja, estilo que se ancora em modas do passado. 

Segundo apuração da revista Elle, o mercado de revenda cresceu 21 vezes mais rápido que o varejo nos últimos três anos. Em 2018, 56 milhões de mulheres adotaram produtos de segunda mão, 12 milhões a mais que no ano anterior. No Brasil, um relatório do Sebrae apontou aumento de 210%  no número de brechós nacionais. Bazares e feiras como a Vitrine Criativa, em São Paulo, se tornam mais comuns.

Ainda assim, se a ressurgência de décadas passadas estimula o consumo sustentável, ela não garante que essa atividade seja plenamente acessível. Brechós, principalmente, dada a limitada quantidade de peças, ainda são rotineiramente criticados pela falta de amplitude no que diz respeito aos tamanhos contemplados pelas peças. Pessoas de porte acima da média, infelizmente, ainda podem ser isoladas e empurradas para alternativas com pegadas ambientais e históricos de exploração bem mais marcantes quando não dispõem de uma diversidade de lojistas plenamente acessível. Com a pandemia da Covid-19, no entanto, muitos se tornaram adeptos de brechós online, que contam com múltiplas linhas curatoriais, e o costume se alastra.

Por enquanto, mesmo assim, a imponência do fast fashion não pode ser ignorada, nem aquela de uma constante para ambos: o consumo desenfreado. Se tratado como tendência descartável — inflada por redes sociais e influenciadores de moda — o mercado de revenda apenas se torna mais um componente do ciclo vicioso daqueles que, do topo de sua condição financeira, compram em exagero para logo descartar sem cuidado. Se o futuro é incerto, uma certeza continua: a desigualdade.

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