Tecnologias permitem uso de resíduos na produção de pães e chocolates

Ingredientes normalmente rejeitados, mas benéficos à saúde, foram adotados por cooperativas e projetos sociais

Foto: Ivan Conterno

Na indústria de alimentos e bebidas, muitos subprodutos são desperdiçados e alguns deles bastante nutritivos e saborosos. Pensando nisso, duas pesquisas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP criaram técnicas para permitir o uso desses ingredientes que seriam jogados fora.

A professora Suzana Caetano da Silva Lannes, da FCF, em parceria com outros pesquisadores, propôs um procedimento para substituir o açúcar comum pelo mel de cacau na produção de chocolates e sorvetes. A patente foi apresentada em 2013 e aprovada em fevereiro deste ano.
Já a utilização na panificação de produtos descartados na fabricação da cerveja durante o processo de panificação é tema da pesquisa de Fábio Patrik Pereira de Freitas, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e aluno de doutorado de Suzana.

Não se trata de reciclagem, uma vez que esses itens eram simplesmente desperdiçados até então. “Essa preocupação dialoga com o plano de desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável da ONU”, ressalta a professora e diretora da União Internacional de Ciência e Tecnologia de Alimentos (IUFoST), órgão que tem como um de seus objetivos desenvolver tecnologias que auxiliem no combate à fome.

O doce mel do cacau

Tudo começou quando dois alunos do curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Elias Nascimento da Silva e Danilo da Cruz Ramos, apresentaram o projeto de iniciação científica em 2012. Os dois trabalharam com Suzana no Laboratório de Tecnologia de Alimentos III, na USP, por intermédio do professor Marcondes Viana da Silva, da Uesb. Fernando Su, ex-aluno da FCF-USP, também colaborou adicionando o mel na produção de sorvetes.

De acordo com Suzana, “o mel de cacau possui alto índice de açúcares redutores e significativa quantidade de fibra alimentar, podendo ser considerado uma fonte natural de compostos fenólicos bioativos com considerável atividade antioxidante, bem como vitamina C”. Antes, o líquido que escorria quando se abre a fruta e durante a sua fermentação era aproveitado apenas no preparo de geléias.

O “pão líquido”

O projeto de Patrik entrou na USP em 2019, embora o professor e doutorando trabalhasse com tecnologia de cereais, panificação e bebidas no campus de São Roque do IFSP há mais tempo.
A receita reúne fibras e compostos fenólicos antioxidantes que o pão de trigo não possuiria, além de compostos terapêuticos como as arabinoxilanas, carboidratos que auxiliam na flora intestinal.

Além disso, a pesquisa também atua no desenvolvimento de uma técnica que tem como objetivo tornar mais agradável o sabor de outro nutriente altamente recomendado: as fibras betaglucanas. Elas podem estar concentradas num resíduo conhecido como trub, que é bastante amargo devido ao lúpulo.

O uso desses resíduos nos pães, que já ocorria na Alemanha, começou a ser pesquisado cientificamente a partir da década de 1970. Um dos desafios é o alto consumo de energia na secagem dos subprodutos. Por esse motivo, as grandes indústrias se interessam mais em vendê-los ainda úmidos para criadores de animais, que não têm interesse pelos resíduos das cervejarias menores. É com esses fabricantes menores, portanto, que Patrik desenvolve parcerias.

A ciência auxiliando projetos da comunidade

As duas pesquisas apresentam alternativas economicamente rentáveis para projetos de iniciativa popular. O trabalho com o cacau foi desenvolvido junto às cooperativas de produtores de cacau na região de Ilhéus. A tecnologia já pode ser encontrada no mercado, vendida como o “chocolate com um único ingrediente”.

A tecnologia para produzir pães, por sua vez, foi empregada no projeto do Pão do Povo da Rua, que distribui alimentos para a população sem-teto na região da Luz, em São Paulo. Segundo Patrik, “o aumento no rendimento na fabricação de pães chega a ser de 10% a 15% em relação ao pão de farinha refinada”.

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