A música pode ajudar a combater emoções negativas, diz artigo

Estudo analisa relação entre música, memória e sensações como medida terapêutica efetiva

Crédito: Pixabay

As sensações e as coisas com as quais interagimos podem nos levar a reencontrar emoções do passado, ou até lembrar de pessoas, lugares e momentos marcantes. A música, como obra de arte extremamente presente na cultura popular e no dia a dia das pessoas, pode usar desse efeito de memória para contribuir na área da saúde, auxiliando os pacientes a lidar com emoções negativas e elevar seu bem-estar, especialmente em um período tão complicado associado à pandemia da COVID-19. 

Essa descoberta é o que aponta um artigo divulgado na Revista Música, da Escola de Comunicações e Artes da USP. “O uso da música para a regulação do estado de ânimo no período pós-covid-19”, escrito por João Fortunato Soares, Alberto Joaquim Gouveia e Ivo Freitas Santana, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e Carmen María Román-Torres, da Universidad de Granada (UGR), na Espanha, que traz esses questionamentos amparados por uma ampla bibliografia, que analisa as relações entre a experiência musical e o estado de ânimo.

O artigo explica que “a participação em atividades de escuta ou performance musicais, tanto individual ou coletivamente, pode favorecer a redução de emoções negativas (como ansiedade e depressão) e, consequentemente, melhorar o estado de ânimo”. Com isso, os estados de ânimo positivos podem ser estimulados no psicológico por meio da música, que acaba por auxiliar na externalização desses sentimentos. 

O doutor em Psicologia na Universidade de Sheffield, na Inglaterra, e docente na EEFE-USP, Edison de Jesus Manuel, estudou as relações da psicologia do desenvolvimento humano com a neurociência. Ele explica que esse tipo de sensação, desencadeada pela música ou por outras atividades fortemente vinculadas à memória, são exemplos do fenômeno de catarse. Este é, portanto, o mecanismo psicológico pelo qual a música pode atingir as emoções mais profundas. 

“A catarse é quando alguma emoção que foi guardada no inconsciente não foi posta, não foi expressa plenamente, foi omitida, escondida no nosso inconsciente. A catarse é quando, por algum caminho ou processo, essa emoção é colocada para fora. Na verdade, a catarse foi entendida pelo pelos psicanalistas como, inclusive, um processo, de cura, um alívio dos problemas”. Logo, a música atuaria como um gatilho do processo catártico, no sentido de despertar emoções reprimidas e, em um âmbito mais interno, liberar o paciente dessas sensações. 

“No processo da catarse, é como se você tirasse do fundo de seu próprio inconsciente algum sentimento que foi suprimido no momento em que você viveu a situação, que gerou aquele sentimento. Essa supressão, às vezes, é um mecanismo de defesa, que transforma a sensação em algo que nos incomoda, mesmo não sabendo exatamente o que é”, completa o professor. 

Esse processo, claro, acontece no plano inconsciente, e, por conta disso, a ação é acentuada. “Ao participar de um evento, assistir uma peça de teatro ou ouvir uma música, o espectador ou ouvinte está assimilando as sensações e emoções sugeridas pela arte. Ele se embala nas emoções de que está necessitado. Então, a peça artística simula situações capazes não só de gerar emoções na plateia ou no ouvinte, mas também de interagir com seu inconsciente”, diz Edison. 

A relação mora, sobretudo, na essência da arte musical. É por meio de suas combinações, variações de notas e ritmos que ela consegue se articular com as emoções do ouvinte. Nesse sentido, Edison ainda completa. “Não há dúvidas de que música e emoção estão extremamente vinculadas. Eu diria talvez que a música é uma maneira de mediar as emoções. Ela permite construir as emoções, variar, diversificar e explorar as sensações. Estão intimamente ligadas”, ressalta.

O artigo sugere que a música pode impactar no estado de ânimo do indivíduo, inato a cada um de nós. Um estado de ânimo positivo exerce enorme influência na forma de acesso às memórias e aos pensamentos em geral, sendo fundamentais para delinear muitas das decisões rotineiras. 

“A música pode desencadear memórias as quais estejam associadas, ela se associa às experiências firmemente pelas redes neurais. É por isso que, de repente, algum evento que de alguma maneira se repete, ou quando vejo alguma coisa associada a ele, como a música, toda a situação vivida é retomada, e não só a situação, mas sensações, o cheiro, o aroma. Nesse sentido, pode ocorrer o desencadeamento e o processo da catarse. Em caso de emoções negativas, a liberação traz essa sensação de alívio, que acaba auxiliando terapeuticamente”, exemplifica o professor. 

Assim, como aponta o artigo, a música é uma opção viável para lidar com emoções negativas no cenário atual da pandemia de COVID-19, em que muitas formas de entretenimento e socialização estão restritas. Em um momento de tanta insegurança, a música serve como “medida de grande eficácia e de baixo custo para a incitação de estados de ânimo positivos, proporcionando consequentemente uma melhoria na sensação de bem-estar e na qualidade de vida das pessoas, conclui o professor.

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