Sheikh Jarrah: o bairro de Jerusalém que ganhou projeção internacional nas discussões sobre Palestina e Israel

Ameaçados de despejo, moradores palestinos protestam contra as decisões da Suprema Corte de Israel

Protesto em apoio aos moradores de Sheikh Jarrah acontece nas ruas de Londres [Imagem/Reprodução: Unsplash]

O motivo central para a recente escalada da violência em um dos territórios mais disputados do Oriente Médio gira em torno de um pequeno distrito hierosolimitano, mas suas raízes são profundas e presentes na vida diária de milhares de habitantes da região. 

Os protestos em Sheikh Jarrah, bairro localizado em Jerusalém Oriental, são uma resposta dos residentes palestinos à decisão da Suprema Corte de Israel emitida em maio que optou por adiar as discussões acerca da manutenção de ordens de despejo contra famílias palestinas que lá residem. A decisão da corte é baseada em duas leis que vigoram desde a criação do Estado de Israel, em 1948, quando a cidade foi dividida. Em um artigo de opinião publicado no The Washington Post, Talia Sasson ex-funcionária de alto escalão da procuradoria do Estado de Israel as descreve como injustas e ultrapassadas

Muito longe de ser uma mera “disputa imobiliária” como definiram Jared Kushner (conselheiro e genro de Donald Trump durante seu governo) e o próprio Ministério das Relações Exteriores de Israel, a questão de Sheikh Jarrah é parte de uma intrincada política israelense que há décadas atua sobre os territórios palestinos. De acordo com Arlene Clemesha, professora de História Árabe (FFLCH/USP) e ex-diretora do Centro de Estudos Árabes da USP, esse tipo de definição é uma: “tentativa de deturpar a natureza do problema, que é política”.

A ameaça de despejo das famílias em Sheikh Jarrah é um caso simbólico. De acordo com Arlene Clemesha, desde 1967 (Guerra dos 6 dias) Israel implementa uma ocupação sobre os territórios palestinos da Faixa de Gaza, Jerusalém Oriental e Cisjordânia, bem como das Colinas do Golã (Síria). 

Na prática, essa política de ocupação implica no exercício do controle militar sobre os territórios e populações palestinos. As tentativas de conversão de territórios acontecem, principalmente, por meio do estabelecimento de assentamentos considerados ilegais pela ONU. 

A criação de comunidades judaicas militarmente fortificadas fora do território nacional de Israel foi contínua durante as últimas décadas, mas recentemente ganhou contornos mais agressivos. Um dos motivos para isso foi a mudança brusca no posicionamento dos Estados Unidos, que em 2019 passou a considerar as colônias legais. O apoio dado pelo governo Trump foi tão incisivo que  em novembro de 2020 o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chegou a anunciar a intenção de anexar formalmente os assentamentos judaicos na Cisjordânia

A persistência da construção das colônias acontece independentemente da orientação política do chefe de estado de Israel. “Essa é uma política de longa data. Ela aconteceu em todos os governos israelenses, fossem eles da esquerda trabalhista, da direita ou da extrema direita. A construção de colônias nunca parou. Alguns governos trabalhistas, como o de Ehud Barak aceleraram o ritmo de construção dessas colônias” afirma Clemesha. 

Para a professora e pesquisadora, o objetivo da implementação desses conjuntos habitacionais exclusivos para pessoas judias para além dos limites do país, e contrariando as Convenções de Genebra, é efetivamente torná-los parte de Israel. “A ideia é que os territórios onde estão as colônias sejam permanentemente de Israel. De uma forma ou de outra, em qualquer negociação sempre se tentou, e hoje mais do que nunca, se colocar a ideia de que onde há colônias israelenses deve ser de Israel”. 

Clemesha também explica por quais motivos Israel não anexou a Cisjordânia de uma só vez: “ela (Israel) não quer incorporar essa população palestina da Cisjordânia. Isso significaria dar cidadania israelense a mais palestinos. Acabaria criando uma situação de uma grande população palestina com cidadania israelense, que mesmo sendo uma cidadania de segunda classe, alteraria o caráter judeu do Estado”.

Como consequência da dominação das forças militares de Israel, a população palestina vive em um estado de constante apreensão. O controle do dia a dia dessas pessoas ocorre de várias maneiras: “Através de incursões do exército, restrições de movimentação, prisões arbitrárias e prisões administrativas”, especifica Arlene. O resultado é a manutenção de um estado de medo entre as pessoas.  “O palestino sente no dia a dia como se vivesse em uma corda bamba. Ele não sabe o que pode acontecer no meio da noite enquanto está dormindo na sua própria casa” complementa.

Nos protestos em Sheikh Jarrah, essa violência é notável. No dia 5 de junho, Givara Buderi, jornalista do Al Jazeera, foi presa enquanto cobria as manifestações do 54º aniversário da al-Nakba (nome pelo qual os palestinos se referem ao êxodo após a declaração de independência de Israel) no bairro. No dia seguinte, a ativista Mona el-Kurd, foi reprimida de modo semelhante pela “guarda de fronteira”. Ela e o irmão gêmeo, Mohammed, movem uma intensa campanha nas redes sociais usando a hashtag #SheikhJarrah. 

A historiadora enfatiza que qualquer solução efetiva para o conflito, que perdura a 73 anos, passa pela desocupação militar e o fim da transferência de israelenses para as terras internacionalmente reconhecidas como palestinas. Para ela é equivocado pensar na questão entre Israel e Palestina como um “conflito de dois lados” ou questões fronteiriças. “A luta dos palestinos e a sua reivindicação tem o caráter de uma libertação nacional” afirma a historiadora.

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