Afetos e emoções na política internacional

Pesquisadora de Relações Internacionais da PUC-RJ usa teorias da psicanálise para explicar fenômenos da política internacional.

Imagem: Reprodução

Quando se pensa na análise da política internacional, geralmente nos vêm à cabeça termos relacionados às relações comerciais, poderio militar e articulação política. Tradicionalmente, são esses dados mais diretos, previsíveis e quantitativos que auxiliam pesquisadores, agentes políticos e pessoas comuns  a entender a esfera internacional. Mas nem sempre eles são suficientes para abarcar toda a complexidade contida entre os Estados. No dia 3 de junho, a professora Paula Sandrin discutiu a respeito dos afetos nas Relações Internacionais em uma palestra virtual no IRI/USP.

Foi ao se deparar com uma questão difícil de ser explicada pelas metodologias mais usuais que Paula Sandrin começou a pensar que talvez houvesse mais fatores influentes na política externa dos países. Docente do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Paula se viu diante da difícil tarefa de entender a motivação por trás de alguns dos principais traços da política externa turca. 

A tentativa do país de pleitear um lugar junto aos membros da União Europeia (UE) já dura décadas e já mobilizou diversas estratégias para tentar se igualar aos vizinhos de identidade europeia. Segundo a pesquisadora, nos tempos obscuros em que o Darwinismo Social era aceito entre as teorias sociológicas, estudos para comprovar “herança genética branca” chegaram a ser realizados na população turca. Tudo isso para que o país aderisse ao único bloco de união política e monetária do mundo. 

Alguns fatores geram curiosidade nessa relação ambígua entre a Turquia e o bloco europeu. A insistência do país em tentar participar, mesmo diante de sucessivas negativas, do bloco é algo intrigante. De acordo com Sandrin, a questão não encontra uma resposta satisfatória entre as teorias tradicionais das RI, e chega mais perto de ser sanada quando outros fatores entram em perspectiva, como os afetos e as emoções. 

Em entrevista para a Agência Universitária de Notícias (AUN), a pesquisadora explica com quais definições de afeto e emoções trabalha nos seus estudos: “Afetos são intensidades que sentimos no nosso corpo que ainda não foram processados pela nossa consciência. Já as emoções são os afetos enredados em teias de significantes, quando a gente tenta explicar linguisticamente o que sentimos”. Essas emoções não são estritamente individuais, emoções como medo e alegria são parcialmente constituídos em sociedade. 

Muitos estudiosos quando procuram entender as dimensões psíquicas dos grupos e populações que tiveram suas identidades construídas em meio realidades sociais opressoras, se valem de conceitos e metodologias da Psicanálise. Estudiosos da psique como Neusa Santos Souza, Ilan Kapoor e Franz Fanon são essenciais para compreender aspectos psicológicos e sociológicos dos sujeitos formados dentro de  sociedades colonizadas. 

“Nessa ordem simbólica que a gente vive circulam uma série de recursos ou objetos de identificação, como a nação. E a gente vai se tornando sujeito nos identificando com esses significantes ou objetos de identificação” afirma Paula. No entanto, muitas pessoas não conseguem construir uma relação sólida de identificação com os discursos dominantes e portanto vivenciam uma situação de não pertencimento. 

Ao contrário de muitas das vertentes eurocêntricas dentro da psicanálise, esses teóricos tinham como foco de pesquisa o “não ser”, ou o “não sujeito” dentro das sociedades colonizadas. Através desse viés, conseguiram explicar como se dão as sensações de não pertencimentos, construção ambígua da identidade e tentativas constantes de alcançar a validação da sociedade, mesmo que essa validação viesse de uma sociedade violenta e opressora. 

Paula Sandrin acredita que em muitos casos tentar se identificar com o discurso dominante é uma estratégia de sobrevivência. A pesquisadora explica: “Se a gente pensar no racismo como uma hierarquia ao longo do humano, como faz um autor decolonial chamado Ramón Grosfoguel, alguns seres humanos são plenamente reconhecidos como humanos e outros têm sua humanidade questionada e portanto ficam sujeitos a tratamento degradante”. Se em uma sociedade racista o que é associado à branquitude é o que  concede humanidade ao indivíduo, tentar se aproximar da branquitude é uma estratégia lógica. 

Mesmo nunca tendo sido formalmente colonizada, a Turquia sofreu com diversas e severas intervenções das potências do Continente Europeu ao longo de sua história. Diante da insistência do país em ser aceito pela UE independente do posicionamento político de seus governantes, foi por meio do estudo dos afetos que Sandrin acredita ter compreendidos fatores essenciais dentro da política externa de muitos países. Hoje, ela utiliza essa bagagem teórica para entender outros fenômenos políticos de impacto transnacional. Na sua palestra “Um percurso sobre afetos da política internacional” ela enfatiza o poder dos afetos e a necessidade de estudar sua capacidade de nos mover, inclusive, politicamente. 

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