Nova doença descrita em coral invasor pode ser vislumbre de esperança para conter seu alastramento, indica estudo

Necrose encontrada no tecido do coral-sol poderia contribuir no controle da dissipação histórica da espécie pela costa brasileira; até então, manejo manual tem sido única forma de contenção para evitar impactos na biodiversidade

Imagem: Reprodução

Estudo publicado em maio de 2021 na revista Scientific Reports, descreveu pela primeira vez uma doença que atinge e pode colocar em risco o coral-sol, espécie exótica que tem se alastrado pela costa brasileira em um dos maiores casos de bioinvasão marinha já documentados.

Trata-se de uma necrose observada do tecido do coral-sol causada por um consórcio de bactérias que traria, como registrado no artigo, “um vislumbre de esperança em face da bioinvasão sem precedentes de Tubastraea tagusensis, que vem se espalhando no Atlântico sudoeste”. A pesquisa mostra também o primeiro caso de doença em grupos de corais conhecidos como azooxantelados.

São duas espécies existentes de coral-sol no Brasil, a Tubastraea coccinea e Tubastraea tagusensis. mas a doença foi identificada apenas na segunda, em 2014. Desde então, tem sido estudada, sendo agora descrita pela primeira vez. A pesquisa, desenvolvida por pesquisadores do Centro de Biologia Marinha da USP, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo e Universidade Federal do Paraná, registrou também o primeiro caso de doença nos corais azooxantelados, do qual faz parte o gênero Tubastraea.

Esse grupo tem esse nome por não fazer associação com microalgas fotossintéticas — as zooxantelas — para sobreviver. Então, têm mais resistência ao aquecimento das águas e ao fenômeno do branqueamento, por exemplo. Cerca de metade dos corais conhecidos e que foram vistos doentes, têm zooxantelas. São mais de vinte doenças descritas. Mas para o outro grupo, dos corais azooxantelados, é a primeira vez que uma doença é descrita.

Colônias de coral-sol (Tubastraea tagusensis) da Ilha de Búzios (SP), apresentando sinais de necrose tecidual em estágios iniciais (A) e (B), intermediários (C) e avançados (D). Imagem: Aline Zanotti, Gustavo Gregoracci e Marcelo Kitahara

Necrose poderia se alastrar pelas espécies clonais

Uma das características principais dessa espécie é a clonalidade, ou seja, a maior parte dos indivíduos observados são geneticamente idênticos. Por isso, uma doença que surge de forma natural, afetando o coral-sol, por exemplo, poderia afetar a maior parte dos indivíduos, porque eles responderiam de forma similar às ameaças externas. Mas ainda não há relatos da doença fora da Ilha de Búzios, no litoral norte de São Paulo, onde o estudo foi conduzido.

“Se for algo [algum patógeno] que vem da água, existe sim uma chance de esse ser um fim relativamente natural do coral-sol”, destaca Aline Zanotti, uma das autoras do estudo, doutoranda no projeto “Sucessão da comunidade microbiana associada à doença do coral invasor, Tubastraea tagusensis”, desenvolvido no CEBIMar. Segundo ela, geneticamente, o coral-sol tem um perfil de espécie que poderia ser dizimado por essa doença, porém essa situação é analisada com “muita suavidade”.

“Doenças de corais são preocupantes, por mais que seja num coral bioinvasor”, destaca Zanotti em entrevista à Agência Universitária de Notícias. “Se está aqui, essa doença pode acabar se alastrando nos corais da região. Não sabemos, mas existe esse risco”, fazendo referência à Ilha de Búzios, onde foram feitas as coletas e as observações presentes no estudo. Com análise de biologia molecular, desenhou-se estatisticamente algumas bactérias que poderiam estar associadas ao desenvolvimento da necrose.

Foram vinte classificações de bactérias analisadas como potenciais patógenos, com cinco gêneros definidos e dois associados ao desenvolvimento da doença: Arenicella, já descrita em casos de corais doentes, o que endossa seu perfil patogênico, podendo ser uma das causadoras dessa doença, e o Sphingorhabdus. Não há descrição desse último gênero associado a doenças em corais, mas sua família foi, o que aumentaria os indícios de potencial patógeno.

Bioinvasão do coral-sol é problema antigo

Na Ilha de Búzios (SP), a presença do coral-sol foi relatada pela primeira vez em 2008. Havia outras espécies nativas no local que compunham a biodiversidade marinha, como os corais Mussismilia hispida e Madracis decactis, além de Palythoa caribaeorum, algas e esponjas. “Em 2011 não tinha mais nada, só coral-sol”, diz Zanotti, em referência a outro trabalho científico, quando houve o relato de quase 100% de bioinvasão em alguns locais da ilha. Foi só em 2014 que uma dessas espécies, a Tubastraea tagusensis, deu o primeiro sinal de doença.

Costão recoberto por coral-sol, na Ilha dos Buzios (SP), em 2016. Sem competição, espécie se alastra e se sobrepõe a corais nativos. Foto: Leo Francini

Até 2006, o coral-sol só era relatado no Rio de Janeiro, exclusivo da Ilha Grande. Depois disso ele se expandiu: há registros principalmente nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Bahia, Espírito Santo, Ceará e Sergipe. Em 2020, foram identificados em Pernambuco e no começo de 2021, no Rio Grande do Norte.

A não existência de predadores, o crescimento rápido e a alta capacidade regenerativa e de dispersão das larvas são fatores que influenciam o avanço da bioinvasão em outras regiões da costa brasileira. O coral-sol se sobrepõe aos corais existentes e ocupa todo o espaço, podendo causar a morte de algumas espécies.

É o caso do coral-cérebro, uma espécie muito sensível, encontrada exclusivamente no Brasil, que acaba desenvolvendo necroses quando entra em contato com o coral-sol. “Se piscarmos os olhos, a Mussismilia, uma espécie endêmica, pode sofrer danos irreparáveis, porque ela é muito afetada pelo coral-sol”, alerta Zanotti. Segundo a pesquisadora, esse tipo de situação é perigosa, porque atinge a biodiversidade do local, como peixes que vivem associados aos corais.

Futuro

Os próximos passos da pesquisa incluem fazer um acompanhamento da doença, observando a maneira como ela se expande na Ilha de Búzios e também construir uma rede colaborativa que possa analisar um possível avanço para outras regiões costeiras.

Grupos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) fazem a remoção manual desses corais, o que se mostrou até então a melhor maneira de combater a bioinvasão. “Como eles fazem esse monitoramento, acredito que possamos vir a ter uma parceria para tentarmos identificar a necrose. Agora que ela está descrita, fica mais fácil identificá-la no campo.”

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