Telemedicina: inclusão digital e outros desafios

Hospital das Clínicas fecha parceria com Governo Britânico para inovações digitais

O HCFMUSP e o Better Health Programme buscam soluções inovadoras e tecnológicas que possam ser implantadas no SUS. [Imagem: NEC Corporation of America/ Flickr]

O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) fechou uma parceria com o governo do Reino Unido para desenvolver o Plano de Saúde Digital, cujo objetivo é desenvolver soluções de saúde digital que aumentem a qualidade e a eficiência do atendimento dos pacientes do HC e que possam ser implantadas em toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

O projeto, que terá duração de dois anos (entre 2021 e 2022), faz parte do Better Health Programme (BHP), programa de cooperação em saúde do Governo Britânico que atua em sete países, além do Brasil: México, África do Sul, Malásia, Mianmar, Filipinas, Vietnã e Tailândia. O Brasil tem um sistema de saúde pública universal, similar ao Serviço Nacional de Saúde (NHS, sigla em inglês), e é um país de alta prioridade no BHP.

A parceria se dá em torno de três pilares: melhorar o atendimento na atenção primária, implementar as ferramentas digitais desenvolvidas a todos os níveis de atendimento na rede de saúde e capacitar os profissionais do sistema público de saúde, se adaptando às diferentes realidades regionais do país. O projeto conta com a participação do NHS como parceiro técnico e com o apoio do Ministério da Saúde.

Gestor de projetos de inovação no Hospital das Clínicas (InovaHC), Guilherme Rabello explica que, através de uma empresa de consultoria, foram selecionadas 20 áreas de atuação. Entre estas, seis foram priorizadas e tornaram-se planos de atividade de desenvolvimento mais intenso, por terem um grande impacto. Nesse sentido, três frentes estão com um trabalho vigoroso no intuito de fortalecer a atenção primária, melhorar a gestão de dados e traduzir pesquisas em inovação.

Rabello ressalta que é preciso entender o desenho da solução digital. “Uma tecnologia é igual a um remédio, é preciso saber prescrever”, afirma. Se a ferramenta for mal desenhada, prescrita ou dosada, pode gerar um efeito colateral no engajamento do paciente. O gerente comercial do InovaInCor (Núcleo de Inovação do Instituto do Coração), defende que será preciso formar profissionais com o conhecimento e as habilidades de ser um “prescritor digital” a partir do diagnóstico e da linha de cuidados que os médicos determinarem, “como se fosse um biomédico tecnológico”.

Todavia, a ideia não é substituir, e sim complementar, o atendimento médico, ajudando-o a superar os empecilhos da distância física entre o médico e o paciente. A telemedicina – prestação de serviços de saúde a distância por meio do uso de tecnologias de telecomunicação e imagem, que abrange consultas, serviços administrativos, informações médicas e educação – está inserida em um conceito mais amplo, de eHealth ou “saúde digital”, que é definida pelo uso da internet e de outras tecnologias de informação para promover melhores condições aos processos clínicos, ao tratamento e acompanhamento dos pacientes e para melhorar as condições de custeio ao Sistema de Saúde.

Com as diversas mudanças provocadas pela pandemia do novo coronavírus, ficou clara a necessidade de maior desenvolvimento e inovação na área da saúde digital. A aplicação da telemedicina, regulada pela Associação Americana de Telemedicina e reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), sofreu mudanças com caráter de urgência para o combate da Covid-19. Contudo, as medidas ainda estão longe de garantir o acesso universal à saúde, especialmente com o isolamento social e a superlotação de hospitais e Unidades Básicas de Saúde.

Para Guilherme Rabello, avaliar a saúde digital é mais simples no conceito do que é na prática. Segundo ele, vive-se uma revolução digital que é dependente de um tripé baseado na cultura do usuário, na tecnologia e conectividade e, por fim, na capacitação.

O Brasil, contudo, apresenta dois grandes empecilhos à telemedicina: as limitações de acesso digital por parte da população e o analfabetismo digital. Rabello vê essas duas questões como pontos de fragilidade do projeto e, sobretudo, uma barreira para a inclusão digital no país – um grande desafio social. Para Guilherme Rabello, esses problemas de infraestrutura retardam não apenas a saúde digital, mas também qualquer outro desenvolvimento na política de cidades inteligentes.

Ainda assim, o gestor tem notado que esse e outros projetos de cuidado digital vêm como um excelente complemento para uma parcela de pacientes que precisam de uma monitoração constante, como os hipertensos e pacientes crônicos. Ele defende que “manter um paciente dessa categoria de alto custo bem controlado significa uma grande economia para o Governo, que pode investir esses recursos no cuidado de outras pessoas”.

Aplicativo Avatar

Há um ano, profissionais do InovaHC começaram a desenvolver o conceito sobre como acompanhar pacientes hipertensos resistentes, que precisam de engajamento medicamentoso e são de alto custo. Foi assim que surgiu o aplicativo Avatar.

O objetivo era acompanhar os pacientes na sua rotina diária, checando se estavam tomando os remédios, se faziam exercícios e se entendiam as orientações nutricionais. Para testar o uso do aplicativo e avaliar as respostas aos cuidados digitais, foram selecionados 20 pacientes do ambulatório SUS, em uma amostragem diversificada.

Guilherme Rabello afirma que os pacientes tiveram boa resposta. “Foram poucos os que no primeiro momento foram resistentes. Houve apenas um caso de uma paciente que desistiu”. Segundo o gestor, a paciente precisou desistir de uma linha de cuidado que poderia ser efetiva por uma circunstância social e esse foi um dos pontos apresentados como desafio de implementação da nova tecnologia.

Rabello conta que, apesar das dificuldades, a experiência tem sido muito positiva e a pesquisa deve acabar ainda neste mês. Os resultados preliminares foram tão impressionantes que o trabalho foi apresentado no Congresso Europeu de Hipertensão (ESH-ISH 2021) como um bom exemplo de transição do modo de cuidado presencial e digital para esses pacientes.

Pesquisadores brasileiros participam do Congresso Europeu de Hipertensão em 2021, entre eles, os desenvolvedores do app Avatar [Imagem: ESH Annual Meetings/ Twitter]

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