Casais interraciais amarelos e negros vivenciam olhar invasivo disfarçado de curiosidade

Imagem: Reprodução

Há maior ansiedade social em torno dos descentes de casais negros e amarelos do que dos casais brancos e amarelos. Essa foi uma das principais conclusões de Laura Satoe Ueno em sua pesquisa Amores (des)racializados: um estudo psicossocial dos casamentos de “amarelos” com negros e brancos em São Paulo. Em sua tese de doutorado, a pesquisadora buscou desvendar as percepções de raça e como as diferenças são vividas em relacionamentos inter-raciais, tendo como centro as pessoas amarelas. 

Filhos de uma união entre negros e amarelos, duplamente racializados, são vistos como exóticos e sofrem com a curiosidade alheia invasiva disfarçada de admiração. A pesquisa de Ueno traz o relato de uma situação vivida por Elaine (nomes fictícios), uma mulher negra, com seu filho afro-asiático. Em um supermercado, eles são abordados por uma mulher branca, que insiste que precisa ver a criança. 

“Apesar de o Brasil se ver como um país muito miscigenado, dentro dessa miscigenação racial existe uma dificuldade de se lidar com a identidade da pessoa mestiça”, afirmou Ueno. 

Ela destaca também que mulheres negras costumam ser mais questionadas a respeito da descendência de seus filhos do que os homens amarelos. São perguntas como “quem é o pai?” e “o filho realmente é seu?” que se constituem como vivências dolorosas. A mesma relação se passa nos relacionamentos entre homens brancos e mulheres negras.

Já as crianças de uniões entre brancos e amarelos permanecem em uma “zona fluida”. “É apto a se tornar branco, mas lembrado de panos de fundo de suas ascendências por ambas as famílias paterna e materna”, escreveu Ueno em sua tese. 

A pesquisa se baseou em conversas informais com dois sujeitos e dois casais, além de entrevistas aprofundadas com outros quatro casais. 3 deles eram compostos por pessoas brancas e amarelas, dois por negros e amarelos e um por inter-racial (negro e branco) e amarelo.

A maioria dos participantes negavam ou atenuavam a existência do significado de raça dentro do relacionamento. No entanto, as experiências narradas no convívio social e na família se demonstraram racializadas. Ou seja, ainda havia tratamento diferentes para os parceiros como um reflexo das hierarquias raciais. É o caso, por exemplo, de famílias asiáticas que, nas últimas gerações, passaram a aceitar o parceiro branco, enquanto o mesmo não ocorreu com os parceiros negros. 

Contudo, casais de negros e amarelos apresentaram grande unidade, inclusive, no enfrentamento da resistência familiar. A autora explica que as próprias vivências do racismo podem os tornam mais conscientes a respeito das implicações e dores da discriminação racial. Assim como seus filhos, os casais negros e amarelos passam cotidianamente por estranhamento e olhares curiosos e invasivos em espaços públicos.

Por parte de parceiros brancos, por vezes, não há o entendimento de si mesmos enquanto raça. Ueno conta o caso de um marido branco que se deu conta do preconceito vivido pela sua esposa, Gabriela, descendente de coreanos, e de sua condição de branco depois que os filhos passaram a ir à escola e trazer queixas de situações de estigmatização. Até então, ele dizia não entender porque ela falava de sua etnia o tempo todo.

A lacuna de dados e a invisibilidade dos “amarelos”

Laura Satoe Ueno conta que ao pesquisar sobre relacionamentos entre amarelos e outros grupos se deparou com a falta de referências e do quase anonimato dos poucos autores que tratam do tema. O IBGE também explora pouco os dados a respeito de pessoas que se declaram amarelas no Brasil. “Foi um desafio fazer a pesquisa sem esses dados”, comentou a pesquisadora. Em relação aos casais negros e amarelos a lacuna era ainda maior. 

A pesquisadora recusou as ideias de que o casamento entre amarelos e demais grupos significasse a superação dos preconceitos raciais ou de que esses relacionamentos estariam fadados ao fracasso. Ueno precisou fazer uma revisão da literatura. Ela partiu do construcionismo social, que analisa a realidade conforme condições sócio históricas e a linguagem em uso. 

Para Ueno, era importante realizar um trabalho que contribuísse para visibilizar os descendentes de leste asiáticos nas relações étnico-raciais do país. Isso, especialmente, no momento em que o país vive durante a pandemia sob um governo de extrema-direita, que dá abertura para o ressurgimento de declarações discriminatórias mais explícitas, principalmente, contra chineses.

Com sua tese, ela espera contribuir para o diálogo familiar, “com o intuito de que essas questões não sejam negadas”, disse.

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