Insatisfação com ensino remoto puxa adoecimento mental de professor na pandemia

Créditos: KC Flynn 2009

Um estudo da Universidade de São Paulo concluiu que existem dois fatores principais para o adoecimento psíquico de professores durante a pandemia: a discordância dos profissionais com o modelo de ensino remoto e as dificuldades encontradas na transformação do ensino presencial para o on-line às pressas. 

Em 1983, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) passou a considerar a docência como a segunda profissão com maior nível de doenças ocupacionais. Muitos desses profissionais acabam apresentando alergia à giz, distúrbios na voz, gastrite e até esquizofrenia. 

Além da já existente vulnerabilidade dos professores, a pandemia trouxe um adoecimento geral na população. Nesse cenário, os profissionais da educação ainda precisaram lidar com altas cargas de trabalho para transformar de forma rápida e completa o estudo presencial no modelo remoto. 

Pensando nisso, o Grupo de Pesquisa de Psicologia do Desenvolvimento Moral (GPDM) do Instituto de Psicologia, sob a coordenação da pesquisadora Luciana Maria Caetano, buscou investigar se as condições de trabalho impostas pela crise mundial de saúde afetaram a saúde mental dos professores brasileiros. 

A pesquisa coletou dados de 733 professores entre os meses de setembro e outubro de 2020 via Google Forms. Foram analisados profissionais desde o Ensino Básico ao Superior passando por professores especialistas (que ensinam matérias extracurriculares, como idiomas, música). Todos afirmaram estar em modelo de ensino on-line.

O participante deveria atuar há pelo menos dois anos como docente e não poderia ter sido diagnosticado antes com algum estado de adoecimento psíquico. No formulário, os professores foram questionados acerca de sua opinião sobre o Coronavírus, adesão ao isolamento social, o quanto a pandemia afetou a renda e sua própria percepção sobre o ensino on-line.

O estudo utilizou a escala Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS) com o intuito de monitorar os níveis de depressão, ansiedade e estresse dos professores. Esse dispositivo calcula ao mesmo tempo em que diferencia esses três estados psíquicos.

Para a surpresa dos pesquisadores, 65% dos professores disseram ser contrários que o Ministério da Educação demandasse a adaptação de aulas presenciais ao ensino remoto. Ao aplicar a escala DASS, foi observado que professores que trabalhavam contrariados a essa demanda tinham níveis mais altos de depressão, ansiedade e estresse.

 “Isso corrobora com estudos da literatura”, comentou Luciana Maria Caetano. “Antes da pandemia, professores que também afirmavam não estar satisfeitos com sua prática, com a metodologia da escola em que trabalhavam ficavam mais vulneráveis. Essa insatisfação com a profissão tende mesmo a gerar adoecimento psíquico.”

As dificuldades com as aulas on-line também aumentaram significativamente os níveis de depressão, ansiedade e estresse de docentes. A extensa maioria, 92%, relatou ter enfrentado dificuldades ao realizar atividades on-line durante a pandemia. 

A dificuldade mais citada pelos professores, 390 vezes, foi pensar em uma didática adequada para o ambiente virtual. Sendo que 373 pessoas disseram ter dificuldade em relação ao fato de os alunos não conseguirem acessar a aula, enquanto 304 afirmaram não ficar confortável diante das câmeras.

A única dificuldade que não interferiu na saúde psíquica do professor foi o conhecimento limitado sobre programas e manuseio das plataformas digitais, mencionado por 273 participantes. 

Dentro do recorte do ensino público e privado, os pesquisadores notaram que professores de instituições particulares apresentavam níveis mais altos de estresse do que aqueles de instituições públicas. Mas os níveis de ansiedade e depressão foram similares. 

Uma hipótese da pesquisadora Luciana que explica essa diferença é a maior cobrança de professores do ensino privado pelo desempenho nas aulas remotas, a fim de garantir o número de matrículas e o pagamento das mensalidades.

Ainda, 86% dos entrevistados afirmaram que passaram a trabalhar mais horas durante o ensino remoto. Entretanto, isso não foi associado a maiores níveis de depressão, ansiedade e estresse. Já a diminuição da renda, relatado por 36% dos profissionais, apontou para um indício existente, porém fraco, de queda na saúde mental.

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