Prisão de Daniel Silveira não tem amparo jurídico, mas o deputado ultrapassou os limites da imunidade parlamentar

“A única forma de defesa que ele tem é disputar o espaço político”, afirma o professor Maurício Stegemann Dieter, do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, a respeito da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL - RJ).

Preso por proferir ataques ao STF, o deputado Daniel Silveira agora cumpre prisão domiciliar. Imagem: Reprodução/Facebook.
Preso por proferir ataques ao STF, o deputado Daniel Silveira agora cumpre prisão domiciliar. Imagem: Reprodução/Facebook.

O deputado Daniel Silveira (PSL – RJ) foi preso em flagrante em fevereiro deste ano, após a publicação de um vídeo em suas redes sociais, em que atacava todos os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O mandado de prisão foi emitido pelo ministro Alexandre de Morais sob a prerrogativa da Lei de Segurança Nacional (LSN). O caso gerou um debate público sobre o uso da LSN e sobre a atuação do STF em um caso político. O professor Maurício Stegemann Dieter, do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, analisa as ações do STF na esfera legislativa.

“É mais fácil entender a prisão fora do direito, porque ela tem um verniz jurídico, mas não tem fundamento jurídico (…) utilizando o direito como uma retórica de legitimação de um agir político”, começa o professor. De acordo com a lei, não existe um amparo jurídico para a prisão de Silveira. Já que existe um leque de discussão sobre se um conteúdo online pode ser enquadrado como um crime em flagrante devido a imaterialidade da reprodução do ato.

O conceito de “flagrante” em um crime online gera desafios por existir dois momentos: primeiro o da gravação e depois quando se torna público, quando ele pode ter efeito. “A flagrância não está quando é gravado, mas no momento que a vítima tem conhecimento do vídeo”. Na opinião de Stegmann, o descontrole do conteúdo por Silveira, visto que foi compartilhado por milhares de pessoas na internet e depois chegou às vítimas, perde a caracterização de flagrante. “A injúria foi feita uma vez, a materialidade do fato já se consumou independente do seu registro de permanência, se não, o resto da vida está em flagrante”.

Maurício Stegmann Dieter, professor de criminologia na USP. Imagem: Marcos Santos / USP Imagens.

Maurício Stegmann Dieter, professor de criminologia na USP. Imagem: Marcos Santos / USP Imagens.

Uma segunda questão levantada no caso de Daniel, foi o uso da Lei de Segurança Nacional para prender o deputado. “Eles recorreram a essa lei porque precisavam de um crime inafiançável com hipótese para autorizar um flagrante de um parlamentar eleito”, comenta Stegmann. A redação da LSN deixa hipótese discriminatória para diferentes manejos do seu poder, sejam estes paro bem ou para o mal.

A imunidade parlamentar não poderia impedir a prisão de Daniel Silveira? O caso esbarra nos limites da proteção parlamentar. A ideia da imunidade é permitir que parlamentares tenham assegurado maior liberdade de expressão, para que não tenham medo de expor na esfera pública, propostas que possam ser chocantes para a sociedade. O docente da USP recorda, por exemplo, que essa imunidade protegeu a colocação de ideias como o sufrágio feminino e a abolição da escravatura.

No cenário do deputado do PSL, o vídeo continha ofensas e incitação de violência clara contra ministros do STF. Tornar essa ideia pública, pode ser uma forma de materializar uma vontade abstrata dos adeptos de Silveira. “ Não faz parte da imunidade parlamentar usar a tribuna para ameaçar pessoas ao mal. É bastante palpável o ódio dele como um catalisador de experiências reais de violência para pessoas que são menos equilibradas na ponderação de seus acessos”, diz Maurício. A incitação clara de violência pode sim ter ultrapassado a proteção da imunidade parlamentar e sua liberdade de expressão ou ter tocado na linha que define seu amparo.

Incriminação correta

“Se fosse pela regra do jogo teria que ser o seguinte: o Supremo notifica o presidente da Câmara de que o deputado violou os limites da imunidade parlamentar e exige a abertura de procedimento administrativo dentro da Comissão de Ética da Câmara. A Comissão cassa o mandato do deputado por violação ao decoro mínimo no exercício da liberdade parlamentar e o executivo apresenta para o Ministério Público uma notícia-crime por ameaça, injúria e outros crimes comuns que ele praticou. Então o Ministério Público acusa, e não o próprio judiciário”, explica o docente.

A comissão de ética tem poder diante de um caso grave como o do deputado, para suspender o mandato, até uma ação definitiva, que podem ser a perda do mandato ou penalidades mais brandas, como advertências verbais ou escritas. “Isso deveria ser o suficiente para silenciá-lo”.

Desdobramentos do caso

No dia 14 de março, o deputado saiu do Batalhão Especial Prisional (BEP) da Polícia Militar, onde esteve preso por quase um mês, e seguiu para a prisão domiciliar. Conforme a decisão do ministro Alexandre de Morais, ele seguiu para casa e está usando tornozeleira eletrônica.

“A única forma de defesa que ele tem é disputar o espaço político. Ele tem que lutar no STF. E vai ter que fazer isso politicamente, no mesmo espaço que foi protagonista e parecer um arrependido. Ele vai ter que assumir publicamente e desmobilizar os ânimos das pessoas que ele pode ter encorajado com sua atitude”, comenta Maurício.

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