Cegueira botânica é obstáculo no ensino de biologia

Grupo de pesquisa do IB avalia perspectivas relacionadas à percepção limitada de espécies botânicas – e o que isso representa para a conservação da biodiversidade

Lago do Instituto de Biociências da USP chama atenção pelas espécies vegetais [Imagem: Paulo Marcelo Rayner Oliveira]

O ensino de Botânica enfrenta desafios próprios. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Médio, a palavra “botânica” é mencionada apenas uma vez, referindo-se ao estudo da biodiversidade como um todo. As barreiras criadas acerca da temática representam obstáculos no entendimento do conteúdo e comprometem a percepção do meio ambiente para além da sala de aula.

Um dos desafios está relacionado à cegueira botânica. Conforme explica a professora Suzana Ursi, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB) e integrante do grupo de pesquisa Botânica Na Educação, o conceito diz respeito à forma limitada com a qual as pessoas enxergam e percebem os organismos vegetais como parte do ambiente. “Isso acaba tendo implicações sérias não só no ensino, mas em termos de conservação e sustentabilidade”, aponta.

A professora compartilha que uma das formas na qual a cegueira botânica se manifesta está relacionada com a diferenciação das espécies: “Muitas pessoas têm dificuldade em identificá-las, tudo é chamado de mato, arbusto ou árvore, por exemplo”. Outro ponto diz respeito à percepção das plantas como parte do ambiente – barreira que dificulta, também, trabalhos de conservação. Conforme Ursi aponta, campanhas de suporte para ações de conservação de animais ganham muito mais recursos do que as relacionadas a plantas, por exemplo. Ela cita um estudo recente realizado sob liderança do Jardim Botânico Real (Kew Gardens) de Londres, que traz um dado alarmante: cerca de 40% das espécies vegetais do mundo podem estar ameaçadas de extinção.

“A partir do momento em que se tem a consciência de que as plantas também são seres vivos e têm o seu papel no ecossistema, passa-se a respeitar um espectro muito mais amplo do ambiente”, continua. Nesse contexto, debates relacionados à sustentabilidade, como mudanças climáticas globais, ainda possuem defasagem, pois não se enxerga a relação entre ações locais e o seu impacto no meio ambiente – como a queima de combustíveis fósseis e o agravamento do efeito estufa.

Em contrapartida, Ursi comenta que a cegueira botânica é “causa e consequência de um ensino muitas vezes maçante”. A cobrança de conteúdos muito específicos, por exemplo, pode afastar o aluno do conteúdo e tornar sua percepção ambiental limitada. Uma das formas de tentar ultrapassar a cegueira, então, seria a abordagem interdisciplinar. “Na dimensão ético-cultural, pode-se falar de Tarsila do Amaral e suas pinturas com mamoeiros e manacás; na dimensão ética, abordar os alimentos transgênicos e a biopirataria. Assim, é possível discutir questões sociocientíficas e realizar as relações necessárias no entendimento das áreas como um todo”, conclui.

O ensino e a pandemia

No contexto da pandemia do novo coronavírus, que levou as escolas e universidades a adotarem o Ensino a Distância (EaD), o ensino de botânica foi afetado. Ursi compartilha que a maior dificuldade está relacionada à falta da prática. A professora promove atividades de repetição e de investigação, de forma a abordar a alfabetização e o fazer científicos, e com o EaD, essas atividades estão sendo orientadas de longe. 

Ela aponta também a questão das ferramentas. A instabilidade da internet e o tempo extenso olhando para a tela de um dispositivo dificultam o desenvolvimento das aulas, e os trabalhos em grupo, necessários no ensino de biologia, sofrem com as limitações das plataformas. “O trabalho em campo também, seja para mitigar uma cegueira biológica ou estudar relações ecológicas, faz muita falta. E para além da sala de aula, tem o ser universitário, que é tão importante quanto”, encerra.

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