Pesquisa destaca importância da atuação do farmacêutico no SUS

Unidades Básicas de Saúde do município de São Paulo foram analisadas para avaliar o atendimento desse profissional à população

As Unidades Básicas de Saúde (UBS) são responsáveis por serviços como aplicação de vacinas e distribuição de medicamentos básicos, promovendo a saúde da população com foco na prevenção e tratamento precoce de doenças. Imagem: Samara Jamile Mendes

Durante seu percurso acadêmico, a pesquisadora e farmacêutica de formação Samara Jamile Mendes sempre teve proximidade com a saúde pública e com a área de assistência farmacêutica, que engloba as práticas voltadas à saúde tendo como foco o medicamento e seu uso racional. Foi assim que surgiu a ideia para a tese de doutorado “Serviços farmacêuticos na atenção primária à saúde: Estudo etnográfico em serviços de saúde no município de São Paulo” defendida na Faculdade de Ciências Farmacêuticas. A pesquisa conseguiu provar sua hipótese, de que o farmacêutico é um profissional qualificado para lidar com pessoas e prestar serviços à sociedade e não extremamente tecnicista, como muitos veem.

O estudo, orientado pela professora Silvia Storpirtis, da USP, com coorientação da professora Silvana Nair Leite da UFSC, teve o objetivo de analisar a atuação do farmacêutico dentro do SUS (Sistema Único de Saúde) na cidade de São Paulo, mais especificamente dentro das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Para isso, Samara escolheu três UBS de regiões diferentes da capital paulista a fim de desenvolver uma pesquisa de campo: uma na zona oeste, outra na zona leste e outra na zona sul. Ela não só observou, mas viveu um pouco as realidades desses locais durante um ano, totalizando cerca de 170 horas de observação registradas em cadernos de campo.  

É exatamente essa vivência do local analisado que caracteriza a tese de Samara como um estudo etnográfico: “Eu poderia, por exemplo, fazer entrevistas com os farmacêuticos, ou pedir para responderem um formulário, mas não, eu precisava viver aquilo. Pegar o ônibus para ir até lá, entender porque aquelas três unidades eram completamente diferentes já que elas estão em locais muito distintos de São Paulo — e viver o que os farmacêuticos e outros profissionais de saúde vivem na atenção básica desse município”.

Para a pesquisadora, esse tipo de estudo qualitativo dentro de uma área de ciências biológicas, onde predominam estudos quantitativos, chama atenção para a necessidade de interação entre diferentes áreas do conhecimento. Isso porque, quando a ciência transgride essas barreiras, é possível entender e transformar nossas realidades de maneira mais profunda. “Por exemplo, se a gente for analisar toda essa polêmica com a cloroquina durante a pandemia, existe uma intencionalidade política muito séria sobre isso. A cloroquina foi uma salvação para as pessoas, que estavam com tanto medo da morte ou de perder um ente querido, que viram nesse medicamento uma solução rápida, ‘preventiva’, o que não é verdade. Nós, pesquisadores, ainda mais em uma universidade como a USP, que é muito importante para a opinião pública, temos a obrigação de não olhar a cloroquina apenas enquanto um medicamento, mas ver todo esse fenômeno social. Acho que esse é um caso muito emblemático de que não podemos ver a ciência de uma só maneira”, argumenta.

O foco da pesquisa na atenção básica também abre espaço para discussões mais amplas na área da saúde, que se atentem não apenas aos fatores biomédicos, mas aos fatores sociais que participam das questões de saúde da população. Isso pois a atenção básica não pensa apenas no tratamento de doenças mas em sua prevenção e na promoção da saúde no geral. Samara conta que em uma das UBS visitadas, por exemplo, acontecia um encontro de mulheres do bairro que praticavam artesanato, uma vez por semana. Esse encontro já acontecia em outro local e foi transferido para a unidade de saúde, pois os profissionais viram uma ótima oportunidade de levar aquelas mulheres para um espaço onde várias situações de saúde poderiam acontecer. “A gente pode olhar a saúde a partir das necessidades em saúde. Aquela senhorinha que estava lá bordando, que tipo de necessidade ela tinha na unidade básica de saúde? Será que ela tinha necessidade apenas de pegar o medicamento dela para hipertensão? Ou ela também tinha necessidade de conversar sobre as violências que sofre em casa? A atenção básica permite tudo isso”, reflete a pesquisadora.

Além de mostrar o farmacêutico como um profissional essencial na atenção básica, a pesquisa levanta reflexões sobre as dificuldades do SUS e dos profissionais que ali trabalham, e ao mesmo tempo, sobre a importância e a necessidade de defender o Sistema Único de Saúde, para uma população na qual 80% das pessoas dependem dele: “São condições muito difíceis de trabalho e não existe valorização. Acho que essa é a maior tristeza do SUS. Mas uma coisa incrível é que mesmo em condições ruins ele manteve a gente de pé esse tempo todo. Não foi o sistema privado que evitou que o Brasil piorasse ainda mais sua situação, foi o SUS”, completa a pesquisadora.

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