Impactos da Covid-19 no sistema nervoso unem laboratórios do Brasil

A pesquisa do grupo de Schatzmann, baseada na criação de um modelo experimental para identificação da atuação do vírus, foi realizada na Plataforma Científica Pasteur da USP. Foto: Shutterstock.

De acordo com Jean Pierre Schatzmann Peron, neuroimunologista e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB), a parceria entre diferentes institutos foi essencial para a realização de investigações sobre os efeitos da Covid-19 no sistema nervoso humano. Pesquisadores compartilham informações com imunologistas, virologistas, médicos e demais profissionais da área

A pesquisa do grupo de Schatzmann, baseada na criação de um modelo experimental para identificação da atuação do vírus, foi realizada na Plataforma Científica Pasteur da USP. Trata-se de uma plataforma de colaboração internacional entre o Instituto Pasteur, da França, Fiocruz e USP, cujo objetivo é ser palco de respostas para situações emergenciais. 

“No início da pandemia, estabelecemos um isolado viral nosso, isolando três vírus de três pacientes diferentes. Além disso, sequenciamos seu genoma”, Schatzmann explica. Primeiro, o grupo realizou testes em células permissivas à invasão do vírus para identificar alguns fatores como: quais citocinas — proteínas responsáveis pela resposta celular — eram produzidas no organismo; quais receptores eram ativados pelo vírus e qual era sua cinética de replicação, isto é, o tempo necessário para atingir outras células. Os estudos possuem dois objetivos: primeiro, compreender como ocorre a resposta imune de determinados corpos e, segundo, visualizar o mecanismo de ação do coronavírus em células do sistema nervoso.

A pesquisa, por enquanto, não é realizada com seres humanos, uma vez que o laboratório é experimental. “O problema é que um camundongo normal não se infecta pelo vírus, apenas uma espécie em específico, que é aquela que apresenta o ACE2, receptor de invasão viral encontrado em seres humanos”, Jean ressalta. O animal, porém, não estava disponível para utilização no campus da capital. A alternativa, segundo o professor, foi utilizar hamsters para a construção do modelo experimental. 

“A gente já sabia que o Sars-Cov-1 infectava hamsters. Supomos, então, que o Sars-Cov-2 fazia a mesma coisa. E de fato, em abril, saíram trabalhos mostrando que as células de hamster eram permissíveis à infecção”, ele explica. A primeira colaboração do grupo surgiu com a professora Cláudia Mori, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, que auxiliou na criação dos animais para a realização dos experimentos.  

Em um segundo momento, após o isolamento do sistema nervoso de hamsters, foi feita uma cultura mista de suas células, que foram infectadas com o Sars-Cov-2. “Queremos descobrir qual população celular é a mais atingida”, Jean Pierre resume. Segundo o neuroimunologista, ainda, uma pesquisa semelhante foi desenvolvida por cientistas da UNICAMP, em Campinas, que se destaca por apresentar resultados em humanos. “Dois professores responsáveis pela pesquisa, Daniel Martins Souza e Marcelo Mori, além do professor Thiago Cunha, de Ribeirão Preto, estão colaborando com o trabalho da USP. Nós mandamos nossas amostras às instituições, para que possamos trocar informações”, ele pontua.

Até o momento, os estudos identificaram alterações metabólicas importantes nas células, principalmente nos astrócitos, responsáveis pela atividade dos neurônios, que podem estar relacionados aos sintomas da Covid-19 de curto e longo prazo. As investigações poderiam categorizar achados neurológicos que, anteriormente, eram usados como fator de exclusão de Covid-19, enquanto, na verdade, são fatores de inclusão.

A próxima etapa é realizar as investigações in vivo, ou seja, observar a infecção diretamente no organismo. “Queremos trazer os hamsters para cá, de modo que possamos os infectar. Poderemos observar se, in vivo, o vírus consegue atingir o sistema nervoso dos animais e se apresenta semelhanças com os resultados observados nos seres humanos. A ideia é corroborar os achados da UNICAMP”, conclui Jean Pierre.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*