Associada a redução do consumo de álcool, religiosidade diminui índices de violência, aponta pesquisadora

Quando a espiritualidade ajuda a controlar o alcoolismo, consequentemente diminui os índices de violência, principalmente a doméstica

[Imagem: Freepik]

A religiosidade pode reduzir o consumo de álcool e, consequentemente, os índices de violência entre os brasileiros, aponta tese de doutorado defendida no Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A violência doméstica é uma das principais a ter redução quando associada a diminuição do uso abusivo de álcool em contexto familiar devido às práticas religiosas. De acordo com a pesquisa, a religiosidade tem papel protetor sobre a violência, seja por meio do controle social difundido ou por agir subjetivamente e instigar o desejo de mudança. 

A tese de doutorado utilizou dados de 2012 do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), desenvolvido na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que se debruça sobre dados da violência, o padrão de consumo de álcool e drogas dos brasileiros, e constata a relação estreita do vício com a violência. 

Segundo Juliane Gonçalves, doutora pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina (FMUSP) da USP e autora do estudo, existem algumas teorias que explicam a relação entre a religiosidade e a redução do consumo de álcool e da violência. Uma delas é a Teoria do Controle Social, que defende o medo de punições como uma sanção natural, inibindo a violência: “Não se pratica a violência pelo medo de que Deus vai punir ou porque tem receio de perder os amigos ou familiares. O medo de uma punição, em termos do papel da religiosidade, pode inibir o fator violência”. 

Outra hipótese é o próprio desenvolvimento humano e a relação entre desejo, culpa e consciência individual. Nesse caso, a pessoa entende a violência e busca não mais propagá-la. “É da própria consciência da pessoa de que ela não quer fazer mal ao outro ou de que aquilo vai prejudicá-la em seu futuro. É uma questão de foro íntimo. A religiosidade traz elementos para que a pessoa não se envolva nesse contexto e não perpetue a violência”.

Apesar das teorias, ainda não há certeza sobre o papel principal da religiosidade, mas Juliane constata que há uma associação inversa entre espiritualidade e violência.  Quanto mais religioso, menores são os índices de violência associados ao indivíduo: “em termos de média estatística, isso é o que encontramos. Pessoas que são mais religiosas são menos violentas e perpetuam menos violência do que pessoas menos religiosas”.

Por conta do alcoolismo e a violência se conectarem, a pesquisa investigou se, para reduzir a violência, a religiosidade teria que mediar a redução do consumo de álcool. “Quando o tipo de violência é a doméstica, a religiosidade tem um papel protetor, mas principalmente quando reduz o álcool. Esse foi o ponto mais importante com relação à moderação do alcoolismo”, acrescenta a pesquisadora.

A religiosidade, ao reduzir o consumo de álcool, diminui a violência perpetuada. [Imagem: Freepik]
Foram analisadas três variáveis de violência: envolvimento em brigas ou violência urbana, detenção policial e violência doméstica. A violência urbana tem influência do álcool, mas é menos intensa, enquanto a violência doméstica possui maior influência do álcool. Por essa razão, a religiosidade apresenta papel protetivo mais significativo, já que atua diretamente no consumo de drogas em contexto familiar.

Num segundo momento, o estudo avaliou o papel da religiosidade nos índices de violência sofrida na infância e violência sofrida ou perpetuada na vida adulta. O resultado foi que a religiosidade é inversamente associada com a violência na infância, ou seja, aqueles que se dizem mais religiosos sofrem menos violência, o que pode estar relacionado ao fato de estarem inseridos em núcleos familiares religiosos e envolvidos pelo conceito de moral, resultando menos práticas violentas com os filhos. “Talvez os lares que têm mais religiosidade, que tem alguns valores e que tenham isso mais fundamentado na infância, previnam que a pessoa sofra violência e pratique a violência no futuro”, aponta a pesquisadora.

Já quando observado o papel da religiosidade sobre quem sofreu violência na infância e perpetuou violência na vida adulta, a religião não teve efeito. Ou seja, quem sofreu algum tipo de prática violenta na infância têm maiores chances de reproduzi-la na maturidade. A religião não media qualquer chance de redução. “Quando se tem um contexto de violência sofrida na infância, a chance de perpetuar ou sofrer violência na vida adulta não é reduzida pelo fato da pessoa ser religiosa ou não. A religiosidade não consegue diminuir essa relação, porque provavelmente existem outros fatores muito mais fortes para essa perpetuação”, aponta Juliane.

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