Subdesenvolvimento da América Latina foi fator condicionante para a internacionalização da Odebrecht

Pesquisa do IEB mostra que Odebrecht se aproveita, para além das relações com Estado brasileiro, da carência de infraestrutura latinoamericana

Sede da Odebrecht, em São Paulo. (Imagem: Sebastião Moreira/Reprodução)

Desde 2014 a Construtora Norberto Odebrecht (CNO) integra as narrativas dos principais veículos de notícia do País, quando se viu envolvida entre as investigações da Operação Lava Jato. Além de uma das maiores empreiteiras brasileiras, a Odebrecht tem a maior atuação internacionalizada entre aquelas envolvidas nesses escândalos de corrupção. 

A partir desse marco, tendo como plano de fundo os estudos de desenvolvimento e a integração na América Latina, Pedro Giovannetti de Moura elaborou a dissertação de mestrado “A internacionalização da Construtora Norberto Odebrecht: desenvolvimento e integração latino-americana”, apresentada em agosto de 2020 no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. 

“A Odebrecht chegou a diversos países, seja na Europa ou na África, mas foi na América Latina onde a empresa mais se desenvolveu em termos de internacionalização. A partir dos anos de 1980, inclusive, principalmente nos anos 2000, ela tem mais lucros advindos de países vizinhos do que do próprio Brasil”, explica.

Pesquisas mais antigas tratam o sucesso ou fracasso de empresas como resultantes de decisões de seus líderes. Moura vê especialmente o caso da Odebrecht de uma outra forma: é explicada, sim, pela atuação de seus gestores, mas também por condicionantes, como o chamado subdesenvolvimento regional. 

A natureza da internacionalização

A pesquisa busca trabalhar a ideia de que, em razão do contexto de subdesenvolvimento no qual o Brasil e o restante da América Latina está inserido, uma empresa como a Odebrecht conseguiu se estruturar e se internacionalizar. O Brasil tem um alto desenvolvimento industrial se comparado com outros países da América Latina. Ao pensar o quadro mundial, no entanto, apresenta um baixo desenvolvimento industrial. 

“A Odebrecht surge, então, nesse cenário aparentemente estranho: uma indústria forte em um país considerado periférico”, aponta Moura. Por isso, ele coloca o Brasil como um país de semiperiferia: conseguem deter algum tipo de atividade industrial ainda que não seja a mais desenvolvida. No caso de empreiteiras, são chamadas de indústrias de fronteira. 

Um segundo aspecto trabalhado pelo pesquisador é o de que a internacionalização da Construtora Norberto Odebrecht na América Latina se deu não necessariamente por uma “proximidade cultural”, como estudos apontam. “Existe uma questão logística facilitada pela distância, porém, mais do que isso, esta é uma região historicamente carente de obras de infraestrutura. E a Odebrecht se aproveita dessas lacunas para propor obras”, explica Moura. 

Além disso, a fim de superar a condição de subdesenvolvimento dos países latinoamericanos, a integração regional surge como maneira de fortalecer essas nações ante pressões de potências estrangeiras que constantemente interferem nessa região.

A integração também é uma condicionante. Ela surge dentro do debate de busca por melhoras ao subdesenvolvimento – especialmente após a criação da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal)”, comenta. A ideia, na teoria, é a de que a integração consiga também fortalecer as estruturas industriais dos países.

Relações com o Estado brasileiro

Apesar de ganhar as páginas dos jornais apenas à época do aparecimento dos escândalos de corrupção nos quais a Lava Jato se envolveu, a relação da CNO com o Estado brasileiro tem início entre as décadas de 1950 e 1960. 

“Desde reformas no Aeroporto do Galeão – graças ao Geisel, presidente da Petrobrás à época, de quem o senhor Norberto Odebrecht era amigo – até assinatura no primeiro contrato internacional – com o Peru, durante o Governo Figueiredo –, a Odebrecht tem relações umbilicais com os governos”, conta Moura. 

Ele conclui afirmando que, apesar de as boas relações com o Estado auxiliarem também no processo de internacionalização, a consolidação da CNO como referência no ramo de empreiteiras se dá a partir da integração regional, que tem como fim a industrialização, e do próprio subdesenvolvimento – condição que se busca superar.

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