Nova lei do saneamento pode tornar o acesso à higiene ainda mais elitizado

A privatização do saneamento pode dificultar o acesso à higiene para a população de baixa renda [Imagem: Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas]

A lei 14.026, de 15 de julho de 2020, propõe o atendimento de abastecimento de água em 99% dos municípios brasileiros até 2033 e a coleta e tratamento de esgoto de 90% dos municípios até o mesmo ano.

Municípios e populações mais vulneráveis do ponto de vista socioambiental correm risco de não atingir essas metas, enquanto municípios mais ricos e populações das classes média e alta podem ter prioridade no atendimento de água e esgotamento sanitário, ampliando desigualdades, se não houver bons processos de regulação.

Ana Paula Fracalanza, pesquisadora do grupo de pesquisa “Políticas Públicas e Gestão Participativa”, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), atualmente estuda o impacto dessa lei na desigualdade ao acesso a serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil. 

A restrição ao saneamento por parte da população de menor renda pode agravar ainda mais a situação da covid-19 no Brasil. Segundo Ana Paula, “a falta de água faz com que uma das ações mais simples no combate à covid-19, que é lavar as mãos, seja dificultada”. As populações que mais sofrem com a falta de água são as populações de menor renda ou as sócio-ambientalmente mais vulneráveis. “Essa desigualdade em relação às populações mais vulneráveis acaba sendo um fator que influencia na covid-19 e que tem a ver com a desigualdade das populações”, conclui.

A pesquisadora concluiu que as diferenças no acesso ao saneamento entre populações socioambientalmente distintas poderão se intensificar no território com processo de privatização dos serviços, caso os processos de regulação não sejam bem controlados.

A nova lei de saneamento, conhecida como marco legal do saneamento, trata de três questões centrais. As duas primeiras, já mencionadas, são a proposta de universalização de abastecimento de água potável para 99% da população e de coleta e tratamento de esgoto para 90% da população, meta a ser alcançada até 2033. 

Outra questão é a prestação de serviços passando por processos de licitação, que deve contar com a participação dos setores públicos e privados. “Por isso que associamos essa nova lei à questão de se tratar de uma certa privatização do saneamento”, afirma a pesquisadora.

Ana Paula explica que a nova lei pode intensificar um quadro já existente de desigualdade no acesso à água e a serviços de esgotamento sanitário. “As populações mais pobres e vulneráveis do ponto de vista socioambiental têm maior dificuldade nesse acesso. Com a nova lei, os serviços de saneamento serão realizados por empresas privadas, que provavelmente irão privilegiar o oferecimento dos serviços com tarifas maiores, o que já dificulta o pagamento por populações de baixa renda”, ela comenta. Além disso, as empresas privadas irão fornecer esses serviços em primeiro lugar para as populações que têm condição de pagar por eles, o que acaba acentuando a desigualdade. 

A lei não propõe nenhuma divisão de verbas, com favorecimento de determinadas camadas da população. Por ser uma lei, é isenta na teoria. “Mas na prática isso pode vir a acontecer. As regiões mais ricas, onde há maior capacidade de pagamento, terão maior acesso ao saneamento”, diz a pesquisadora.

Diante desse problema, surge a dúvida de como seria possível resolver o problema sanitário no Brasil. A pesquisadora acredita que a melhor maneira de resolver essa questão, principalmente tratando da água e do esgotamento sanitário, mas também de resíduos sólidos, seria através da prestação de serviços por entidades, órgãos e instituições públicas. 

“As instituições públicas têm como objetivo o bem comum, a prestação de serviços visando o bem comum e a universalização, de modo que todos tenham acesso a esses bens. Elas não consideram a água como uma mercadoria, mas como um bem comum, ao qual todos têm direito”, Ana Paula explica. “Já uma companhia privada, que vai fornecer a água tendo como objetivo a lucratividade, vai prioritariamente oferecer o serviço para as populações com maior capacidade de pagamento. Para resolver o problema sanitário, o central seria uma universalização que forneça os serviços de maneira pública.”

As chances de uma privatização ocorrer são grandes: “quando é previsto pela lei que a prestação de serviços seja feita por companhias públicas ou privadas e através de licitação, as empresas a entrar no mercado podem gerar uma tendência ao processo de privatização”, diz Ana Paula.

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