Simuladores e fóruns: uma nova maneira de ensinar astronomia no Ensino Médio

Algumas fórmulas da Lei de Kepler e Gravitação Universal estudadas no Ensino Médio. Seu entendimento e aplicação muitas vezes não chega aos alunos.

Durante o Ensino Médio, um dos principais momentos das aulas de astronomia é o aprendizado das Leis de Kepler e da Gravitação Universal, que em geral é restrito aos livros e a aplicação de fórmulas. Diante desse contexto, Emerson de Araújo desenvolveu, no mestrado profissional do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, um método de ensino híbrido em que recursos didáticos online são misturados com os presenciais, promovendo um melhor entendimento dos conceitos e gerando mais significado para os alunos.

Mesmo sendo teorias básicas para o entendimento das órbitas e períodos de revolução dos astros, a compreensão sobre as Leis de Kepler e a Gravitação Universal perde muito pela maneira como os professores e livros geralmente as abordam. “Normalmente [isso] é visto na aula de física. Mas muitos professores são da área de biologia, química e matemática, e não se formaram neste campo. Eles tratam a gravitação com um formato tradicional, muito em cima do livro”, afirma Emerson. 

Sua abordagem, que busca aplicar os estudos de Paulo Freire no ensino de ciências exatas, é construída ao redor de 3 momentos pedagógicos: organização do conhecimento, problematização e aplicação. A partir disso, Emerson reuniu um grupo de alunos voluntários para aulas teste, com currículo parte presencial, parte online. O propósito dessa metodologia híbrida “é usar outras ferramentas além da sala de aula, não necessariamente no computador, mas que proporcionem maior independência para os alunos”. 

Seu método começa uma contextualização histórica ao redor dessas descobertas, feita através de uma revista em quadrinhos. Sua função seria “mostrar para os alunos que a ciência é construída, não cai pronta no livro”. Dessa forma, o professor desmonta a noção de “que o que é descoberto não é mais questionado, não tem mais evolução”.

Após esse contato inicial, os alunos se aprofundam nas fórmulas através de ferramentas online, aproveitando ao máximos seus recursos: um vídeo explicativo, fóruns de discussão e simuladores de órbitas e ação da gravidade. Neles, os alunos podem aplicar por si mesmos os conceitos aprendidos e, através de um roteiro preparado pelo professor, deduzir a importante conexão entre as Leis de Kepler e a Gravitação Universal. 

Em seguida, a proposta de Emerson inclui o uso do software Stellarium e do pacote de programas CLEA (Laboratório Contemporâneo de Experiências em Astronomia, na sigla em inglês), observando os conceitos aprendidos em ação. Por fim, a avaliação é realizada pelos próprios alunos.

Imagem da interface de um dos programas do pacote CLEA, utilizado para coletar dados das luas de Júpiter e aplicar as fórmulas aprendidas sobre suas órbitas e períodos. Fonte: Captura de tela do software.

A utilização do ensino híbrido não é por coincidência. Segundo Emerson, a metodologia permite usufruir de recursos e ferramentas antes ignorados pelo ensino apenas presencial, colocando-os na mão do aluno. Mas alerta: “o lado presencial é necessário, para acolhimento e contato com o aluno”. A exploração dos recursos online deve ser feita “de uma maneira mais rica, não só colocando um material lá para estudar, mas um online em que seja possível explorar simuladores, podcasts, discussões, avaliações por pares, ferramentas de texto colaborativas”. 

Os recursos devem ser utilizados analisando em que áreas são mais adequados e em que áreas fracassam. Quando são utilizados com consciência e proficiência, e não como muleta ou improviso, eles possuem um grande potencial de acrescentar ao trabalho construído em sala. 

Emerson indica ainda que no momento atual, da pandemia, se torna necessário explorar esses novos recursos. Quando iniciou seu trabalho, ainda não sabia que a educação à distância se tornaria norma em poucos meses. “Há várias ferramentas que podem ser exploradas e esse potencial agora está sendo abarcado cada vez mais com a pandemia”, afirma ele. Porém, o especialista identifica uma defasagem nos materiais preparados, especialmente no Brasil — aqui, ainda são explorados de maneira muito superficial.

Mas, infelizmente, ainda existem muitas barreiras estruturais no país que impedem que a metodologia de Emerson seja mais amplamente aplicada. A atual pandemia apenas deixa a desigualdade de acesso a aparelhos e a internet ainda mais evidente: “Esse é um entrave, acaba limitando pessoas de baixa renda que não têm acesso ao computador. É preciso identificar isso para dimensionar as atividades”.

A educação híbrida vai além de simplesmente usar recursos online e constrói uma relação dialógica — e não expositória — entre professor e aluno. Se as desigualdades de acesso fossem atenuadas, Emerson acredita que o interesse nas ciências aumentaria muito. Isso principalmente na área de astronomia, prejudicada pela falta de interatividade da sala de aula tradicional. Seu ensino se beneficiaria muito dos muitos recursos hoje disponíveis, mas ainda barrados de entrar na sala de aula. Por enquanto, Emerson busca aplicar em maior escala sua metodologia, com resultados promissores na quarentena.

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