São Paulo está mais silenciosa

Avenida Paulista vazia durante a quarentena com sonômetro medindo ruído urbano. Ranny Michalski, 2020.

“Ruído urbano” compreende quaisquer sons desagradáveis relacionados à cidade, podendo surgir de veículos, pessoas ou construções. Quando em níveis elevados, este ruído pode ser caracterizado como agente poluidor, o segundo maior de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A exposição a uma elevada poluição sonora pode levar a problemas de saúde: psicológicos (como o estresse), fisiológicos (insônia) ou físicos, como complicações cardiovasculares e até surdez.

“É um mal invisível, então ela [poluição sonora] acaba sendo negligenciada, até os efeitos são difíceis de serem vistos”, destaca Ranny Michalski, coordenadora da regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Acústica e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ela e as também docentes da FAU Alessandra Prata e ​Roberta Mülfarth conduzem a pesquisa “COVID-19 e o Ruído Urbano”, que comparou ​as condições da poluição sonora na cidade de São Paulo antes e durante medidas de distanciamento social impostas pela pandemia.

Para realizar as medições, as pesquisadoras do Departamento de Tecnologia utilizaram um sonômetro do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética (Labaut). Esse aparelho mede, em decibéis (db), o nível de pressão sonora “equivalente ponderado em A”. Isso significa que o instrumento correlaciona os valores de ruído captados com a resposta do ouvido humano.

As aferições foram realizadas em frente a vias no centro de São Paulo durante 5 a 15 minutos. O trajeto começava pela Avenida Doutor Arnaldo, passava pela Consolação e terminava na Avenida Angélica. Essas medições ocorreram em um período de normalidade, com grande fluxo de pessoas e veículos no ano passado, e em dois momentos da quarentena, quando também foram feitas medições na Avenida Paulista. Paralelamente à aferição da pressão sonora, eram feitas filmagens das ruas para contabilizar a quantidade e os tipos de veículos, de modo a registrar não apenas a variação no nível de ruído, mas também a mudança na paisagem sonora.

Medição de pressão sonora utilizando um sonômetro na Consolação antes (esquerda) e durante (direita) o isolamento social. Ranny Michalski, 2019/2020.

Ela também esclarece que a escala utilizada é logarítmica, ou seja, uma redução de 10db representaria uma redução pela metade na sensação do nível de ruído. “Com certeza absoluta a cidade está mais silenciosa”. Outra mudança significativa está na natureza dos ruídos: nas frequências mais graves diminuíram 3db, enquanto que nas mais agudas essa mudança chegou a 10db. Elas ponderam que tal comportamento deve ter ocorrido devido à diminuição de frenagens e acelerações decorrente da diminuição de carros nas ruas. Além disso, a pesquisa também constatou
um aumento no número de motos e uma diminuição de pessoas e veículos pesados.

A ideia da pesquisa era acompanhar a evolução do distanciamento social, entretanto o índice de isolamento na Capital permaneceu constante, abaixo dos 60%. Assim, não foi necessário ir a campo realizar novas medições já que os resultados seriam muito semelhantes.

A professora Alessandra Prata chama a atenção para a possibilidade de, com o isolamento social, algumas pessoas entenderem que “temos uma qualidade de vida melhor com uma acústica melhor” e, assim, passarem a reivindicar mudanças. “Se percebermos os nossos espaços, começaremos a qualificá-los ou, pelo menos, circular por áreas mais interessantes; talvez eu não ande pela Paulista, mas por uma rua paralela porque sei que lá tem um ruído que me é mais agradável, por exemplo.”

A poluição sonora pode ser combatida por meio de programas de conscientização e por um Planejamento Sonoro Urbano. Essa segunda parte da criação de um mapa de ruído, de modo a identificar as áreas mais e menos ruidosas, atribuindo-lhes usos distintos. A lei municipal 16.499, de 2016, institui que deve ser criado um mapa de ruído para a cidade de São Paulo até 2023.

Também são estratégias para combater o ruído urbano: o tratamento acústico do asfalto, a redução ou redirecionamento do tráfego, a diminuição da velocidade nas vias, o uso de veículos alternativos ou não motorizados, a criação de “zonas quietas” e o desenvolvimento de passagens subterrâneas para carros. “Conseguiríamos futuramente deixar a cidade mais silenciosa simplesmente por assim querermos, não por causa de um vírus, mas porque é possível”, conclui Ranny Michalski.

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