Brasil perde competitividade com a falta de investimento em ciência

Segundo pesquisador, ausência de políticas de longo prazo voltadas para o desenvolvimento de tecnologias nacionais prejudica o desempenho do país

A área biofarmacêutica é essencial para o desenvolvimento de uma futura vacina contra a Covid-19 [Foto: Elisabete Assunção/FotosPúblicas]

A pandemia do novo coronavírus evidenciou a necessidade de se ter um sólido sistema de saúde, a fim de atender gratuitamente a maior quantidade de pessoas possível. Além disso, ficou ainda mais claro quão essencial são os investimentos em ciência, principalmente no que diz respeito, nesse caso, a tecnologias e políticas regulatórias voltadas à saúde. E o Brasil poderia estar entre os principais produtores de ciência e soluções para a pandemia.

Isso é o que acredita Renan Leonel, pesquisador colaborador do grupo Ciência, Tecnologia e Inovação e Saúde, do Instituto de Estudos Avançados. Apesar de reconhecer o potencial brasileiro, ele destaca que o país já está sofrendo as consequências de não valorizar a ciência mesmo em tempos sem pandemia. “A resposta para a pandemia virá de onde? Da disponibilidade de um anticorpo ou vacina. Não há outra saída. E não se sabe ainda a que preço e sob quais condições países como o Brasil terão acesso a essa tecnologia. Se tivéssemos um setor biofarmacêutico qualificado para desenvolver novas moléculas poderíamos estar muito mais bem posicionados nesse setor”, lamenta.

Renan destaca a necessidade de se investir em qualificação interna e incentivar a pesquisa brasileira e reforça que políticas de incentivo à ciência e tecnologia têm que ser feitas a médio e longo prazo para surtirem efeito. “A ciência nunca foi prioridade no Brasil. Quando falo nunca, não tenho medo nenhum de errar, pois mesmo quando foram criadas as nossas agências de financiamento à ciência e tecnologia nos anos cinquenta e sessenta, ainda demorou décadas para que os governos implementassem um parque científico robusto. Isso só aconteceu efetivamente nos anos dois mil e muito focado em ampliar a agenda de ensino superior, mais do que a de pesquisa”, critica.

Ele comenta que o investimento na ciência brasileira e a criação de políticas públicas para o desenvolvimento da indústria biofarmacêutica no Brasil foram discutidos em seu artigo Understanding the political framework of biopharmaceutical development in Brazil: the case of monoclonal antibodies. O estudo foca em compreender se o país está preparado para viabilizar a pesquisa e fabricação de anticorpos monoclonais no Brasil. Além, no artigo, há a exposição de um mapeamento das políticas que o governo criou a partir dos anos 2000 a fim de possibilitar a produção desse tipo de anticorpo.

A partir desse caso específico, Renan discute a ação do governo para viabilizar o desenvolvimento de uma nova tecnologia em solo nacional. Ele avalia que “esse momento é, didaticamente, o melhor exemplo de como as decisões feitas no passado interferem na nossa capacidade de responder no presente. O exemplo [a pandemia] é muito bom pois mostra que não adianta o país ficar ‘empurrando com a barriga’ investimentos em saúde, ciência e tecnologia”.

O pesquisador ainda pontua que “o artigo deixa claro que a gente avançou sim, com propostas e mais coordenação, mas perdemos oportunidades de gastar melhor o dinheiro público, com mais ambição, em momentos de maior bonança”, se referindo aos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil. No caso analisado no artigo, o governo fez foi incentivar a produção de cópias quase idênticas dos anticorpos por empresas instaladas no Brasil, incentivando a formação de parcerias entre empresas farmacêuticas privadas e públicas e garantindo a compra desses remédios pelo SUS.

A partir do artigo e observando a situação atual do Brasil no cenário científico mundial, Renan também critica a transferência de tecnologia para o país. De acordo com o pesquisador, não há uma qualificação do território brasileiro para desenvolvimento de uma tecnologia nacional, competitiva à das multinacionais. “Esse processo poderia ser mais ambicioso, com maior participação de startups, universidades e agências de fomento à pesquisa, menos pautado em apenas copiar e mais focado em prover uma estrutura mais moderna”, finaliza.

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