Homens transexuais são marginalizados na área da saúde

Estudo afirma que homens transexuais tendem a sofrer discriminação e marginalização na rede pública de saúde brasileira. A falta de representatividade, difícil acesso a informação e ausência de uma rede de apoio bem estruturada são tidas como os maiores problemas. Fernanda Heinzelmann, doutoranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisa as dificuldades vividas pelas transmasculinidades na saúde pública brasileira: em sua tese, entrevista três jovens trans e um não-binário, comparando suas experiências no Brasil e em Portugal. 

Ela explica que decidiu pesquisar especificamente sobre esse grupo por perceber que existia uma necessidade particular do público, devido à falta de atenção. Para ela, o termo “transmasculinidades” traz a percepção de que o gênero parte de uma autodeterminação, incluindo variações e peculiaridades de cada indivíduo.

Os relatos de Miguel Von Zuben, jornalista e fotógrafo transexual, convergem com o cenário apresentado pela doutoranda, apesar de não fazerem parte da pesquisa. Ele diz que “os transexuais eram parte de um imaginário folclórico” e só se entendeu como homem trans após ter contato direto com mulheres transexuais em situação de rua em um ensaio fotográfico, mesmo tendo questionado o próprio corpo anteriormente.

Um dos homens entrevistados pela doutoranda afirma que demorou muito para iniciar o processo de transição porque não encontrava informações. De acordo com Fernanda, “a questão da visibilidade dos homens trans é relativamente recente, não existiam tantas mídias sobre o assunto nem as redes sociais”.

Transmasculinidades na saúde

O acompanhamento médico para pessoas transgênero é necessário independentemente da decisão do paciente de realizar – ou não – mudanças hormonais e cirúrgicas. No caso dos homens trans, o atendimento ginecológico costuma ser o principal tabu, principalmente para os homens que performam a masculinidade. “Minha maior preocupação de médico era ir no ginecologista, porque é uma coisa muito ‘da mulher’”, conta Miguel.

O jornalista procurou atendimento médico assim que decidiu iniciar o tratamento hormonal: “Eu descobri com uma amiga minha e no YouTube que quem faz isso é o endócrino ou gineco”. Sabendo das dificuldades encontradas na rede pública, procurou profissionais particulares. “Eu abri a real para a médica e dei muita sorte. Ela tinha esse conhecimento e fez questão de me acompanhar, me ajudou até a falar com os outros médicos. Na rede particular, você vai direto em quem você sabe que lida com isso.”

A realidade da saúde pública no Brasil, no entanto, é bem diferente, e o cenário estadunidense de precarização para pessoas transexuais não é novidade mundial. Para Fernanda, o Sistema Único de Saúde (SUS) é essencial, principalmente em momentos como o da pandemia do coronavírus, mas ainda não oferece um serviço de qualidade para a população transexual. 

As filas de espera para procedimentos cirúrgicos são “quilométricas” e muitos profissionais não estão preparados para lidar com essas demandas. “Algumas unidades de saúde têm um foco voltado para isso, mas não é qualquer uma. Você tem que saber exatamente onde ir para ser atendido com respeito.”  Ela relata a experiência de um dos entrevistados em sua pesquisa que, ao buscar atendimento em uma unidade pública de saúde, descobriu que alguns dos funcionários sequer sabiam o que significa ser trans.

A importância de uma rede de apoio

Iniciativas de políticas públicas para além da saúde também são muito escassas, mas fazem toda a diferença. Miguel frequenta o Centro de Referência LGBT de Campinas (SP), o primeiro serviço público governamental do país voltado à população LGBT+. Ele afirma que o grupo de apoio foi o seu primeiro contato recorrente com pessoas transexuais e, através dele, conseguiu reunir forças para passar pelo processo de transição. 

Fernanda conclui em sua tese que a criação de uma rede afetiva é de extrema importância para a trajetória dos homens transexuais. “Se reconhecer no outro é essencial, seja na família nuclear ou de pessoas que desempenham esse papel de fora”. Principalmente durante a quarentena, Miguel afirma que conseguir acionar essas pessoas facilmente faz com que ele se sinta menos desamparado. 

Atualmente, Fernanda inicia uma nova pesquisa sobre os efeitos da pandemia sobre as pessoas trans e como o isolamento social afeta aqueles que já se sentem marginalizados.

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