Falta de recursos é a marca da Educação de Jovens e Adultos no Brasil

A Educação de Jovens e Adultos vem sofrendo duros ataques desde o impeachment da Presidenta Dilma Roussef em 2016, quando os recursos financeiros e humanos alocados nessas iniciativas foram drasticamente reduzidos. Foto: Reprodução
A Educação de Jovens e Adultos vem sofrendo duros ataques desde o impeachment da Presidenta Dilma Roussef em 2016, quando os recursos financeiros e humanos alocados nessas iniciativas foram drasticamente reduzidos. Foto: Reprodução

Os ataques à Educação de Jovens e Adultos, modalidade que é oferecida por escolas do ensino fundamental e médio para o público acima de 15 anos que não conseguiu finalizar a educação básica, são históricos e vêm se amplificando no governo de Jair Bolsonaro. Contudo, o tema praticamente não foi discutido pela esfera pública, frente a outras medidas do Ministério da Educação, como o contingenciamento de verbas para as universidades federais e o recente corte de 348 milhões de reais do lote destinado à produção e distribuição de livros didáticos.

Em 2019, a reforma administrativa promovida pelo decreto Decreto 9.465 extinguiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), onde residia a Diretoria de Políticas de EJA. Apesar de o decreto reconhecer a EJA entre as atribuições da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, não há qualquer instância encarregada da EJA nos organogramas da SEB e das recém-criadas Secretarias de Alfabetização e de Modalidades Especializadas.

Para a professora da Faculdade de Educação da USP, e especialista em Educação de Jovens e Adultos, Maria Clara Di Pierro, a falta de conhecimento da população a respeito da Educação de Jovens e Adultos é um dos elementos para que tal modalidade seja negligenciada pelo governo federal: “A gente precisa primeiro que a sociedade toma consciência desse direito. A sociedade brasileira avançou muito na consciência do direito à educação na infância e na adolescência, mas a gente não avançou da mesma forma na consciência do direito à educação de adultos”, afirma.

"Obviamente é um retrocesso", afirma a professora da Faculdade de Educação da USP, e especialista em Educação de Jovens e Adultos, Maria Clara Di Pierro, sobre o desmonte da EJA. Foto: Vinícius Lucena.
“Obviamente é um retrocesso”, afirma a professora da Faculdade de Educação da USP, e especialista em Educação de Jovens e Adultos, Maria Clara Di Pierro, sobre o desmonte da EJA. Foto: Vinícius Lucena.

Evasão

Nos últimos 10 anos, um terço das escolas que ofereciam o ensino fundamental para o programa abandonaram o serviço por falta de investimento. Acerca da questão da evasão a especialista afirma:  “Quem entende de Educação de Jovens e Adultos sabe que é muito difícil mobilizar a população para participar. Em qualquer país do mundo a política de EJA inclui um grande esforço de mobilização da demanda”.

“Em Portugal, o primeiro ministro ia à televisão mobilizar a população para participar, a Inglaterra faz as “Semanas de Educação de Jovens e Adultos” e usa largamente a mídia para mobilizar as pessoas a participarem porque a educação compete com outras práticas sociais como trabalho, família, etc”, exemplifica a professora, ressaltando a importância de um projeto que mobilize de fato a população.

Sobre a questão do financiamento da Educação de Jovens e Adultos a professora afirma que “sempre foi uma modalidade muito pouco aquinhoada com recursos ela sempre se utilizou dos espaços criados para outras modalidades ou da improvisação de espaços comunitários”. Tal afirmação é verdadeira, visto que no atual orçamento destinado à educação na EJA, o valor estimado para cada estudante é de exatos 2.870,94 reais – trata-se da única modalidade de ensino em que cada aluno recebe menos de 3.500 reais do Estado, de acordo com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Além disso, a professora Maria Clara também ressalta a falta de investimentos na formação de professores. “Apesar de há muito tempo a legislação falar da necessidade de uma formação específica para o educador da EJA nunca se fez um investimento consistente na formação do educador de adultos”, afirma.

Desmonte

Vale lembrar que a Educação de Jovens e Adultos vem sofrendo duros ataques desde o impeachment da Presidenta Dilma Roussef em 2016, quando os recursos financeiros e humanos alocados nessas iniciativas foram drasticamente reduzidos. Até mesmo o Programa Nacional do Livro Didático de EJA foi descontinuado, ferindo o artigo 4º da LDB – e que justificaria a intervenção do Ministério Público.

“Eu avalio essa situação com muita preocupação porque obviamente é um retrocesso, estão desorganizando o pouco que se tinha de estruturas para a EJA”, afirma a professora sobre todo o processo de desidratação da modalidade nos planos do governo federal. “É um desmonte dessas estruturas de indução federal que sempre foram importantes, afinal, quem atende a população são os estados e municípios, mas essa indução federal sempre foi muito importante principalmente para os estados mais pobres do Norte e Nordeste onde o analfabetismo e a baixa escolaridade são mais acentuados”, complementa.

Ataques simbólicos

Como se não bastassem os ataques materiais à Educação de Jovens e Adultos, membros do governo frequentemente criticam e atacam o legado do educador Paulo Freire, patrono da educação brasileira e o intelectual do país mais reconhecido internacionalmente e que foi grande expoente do pensamento e das práticas pedagógicas no campo da alfabetização de jovens e adultos. 

Para a professora esses ataques simbólicos “são um retrocesso e fazem parte de uma onda mais geral de conservadorismo que obviamente constrange as iniciativas da sociedade civil e constrange os professores”. Contudo, para a especialista em Educação de Jovens e Adultos: “Nunca se leu tanto e nunca se falou tanto disso nos congressos e eventos, então existe esse contrafluxo importante que é as pessoas estarem lendo mais Paulo Freire, reafirmando suas ideias e a relevância da sua contribuição intelectual e concreta para a educação”.

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