Movimento ocular contribui no diagnóstico precoce de Alzheimer

Através do rastreamento do olhar, pesquisadora conseguiu identificar mudanças cognitivas em pacientes com maior tendência para desenvolver Alzheimer

Estudos mais aprofundados sobre o comportamento ocular de pessoas com comprometimento cognitivo leve ainda são raros. (Arte: Sbtlneet - Pixabay)

A doença de Alzheimer é o tipo de demência mais comum em todo o mundo, afetando entre 60% a 70% dos casos positivos para este diagnóstico. No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 1,4 milhão de pessoas possuem a mazela. 

Atualmente, a doença possui tratamento, mas o diagnóstico requer uma bateria de exames. A pesquisa de doutorado da psicóloga Marta Luísa Gonçalves de Freitas Pereira, realizada no Hospital das Clínicas, pode otimizar essa realidade. Através da técnica do rastreamento do olhar (eye tracking), Pereira verificou a possibilidade de detectar precocemente alterações cognitivas, um dos principais sintomas do Alzheimer.

Da Europa para o Brasil

No ano de 2012, a pesquisadora trabalhava na Inglaterra quando teve o seu primeiro contato com o seu futuro orientador, Orestes Vicente Forlenza. A motivação se deu por conta de uma pesquisa que ela havia desenvolvido. Após alguns e-mails de conversa, Forlenza mencionou o projeto de pesquisa e a psicóloga se interessou. “Queria montar algo mais ligado à neurociência visual e estava pensando em utilizar o eye tracking, para estudar os déficits cognitivos em sujeitos com Alzheimer ou com quadro de comprometimento cognitivo leve (CCL)”, relata a recém-doutora.

Três anos depois, ela se candidatou para o processo de seleção de doutorado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Durante esse período, o orientador e ela buscaram referências bibliográficas sobre o assunto. Além disso, a especialista montou um estudo piloto para analisar a viabilidade do projeto. Depois de aceito, o trabalho passou a ser aprofundado. 

“Comecei a investigar mais detalhadamente as alterações cognitivas em pessoas com a doença de Alzheimer e ver como era o comportamento ocular delas, em particular, dentro das alterações cognitivas. Tratam-se de funções executivas envolvidas em processos bastante complexos do nosso cérebro e que são alteradas com a mazela”, explica Pereira. Nos pacientes com CCL, essas funções também são alteradas, mas ainda não é possível saber o grau. 

Outro ponto sobre essa população, é que apesar da modificação, a funcionalidade é mantida. Enquanto alguns apresentam o quadro por apenas um período da vida e conseguem revertê-lo, outros convivem com ele até a morte. Segundo a pesquisadora, “essas pessoas têm um risco acrescido de desenvolver a doença do Alzheimer, por isso é tão importante estudar esse grupo.”

Importância do rastreamento do olhar

Para a psicóloga, o método do eye tracking é relevante pela sua facilidade, podendo ser utilizado tanto em contexto clínico quanto em pesquisa. Além disso, “é capaz de medir a alteração cognitiva apenas analisando o movimento dos olhos do paciente”. 

No caso, como a maioria dos participantes eram idosos com demência ou declínio cognitivo, a doutora tinha a preocupação de poupá-los do constrangimento e a técnica foi muito bem-vinda. “Essa ferramenta permite testar a pessoa sem requerer um envolvimento motor ou verbal, o que é muito bom para se usar com essa população.” 

O projeto contou com duas tarefas utilizando a técnica, chamadas de pró-sacada e anti-sacada. De acordo com a especialista, a primeira analisou o comportamento automático do olhar, enquanto na segunda se esperava que esse olhar fosse em direção a outro alvo, de forma rápida. Para comparação, além dos grupos com Alzheimer e CCL, Pereira contou com pessoas controles, que são aquelas que não apresentam qualquer problema cognitivo.

Estudo foi desenvolvido no Laboratório de Neurociência (LIM/27) do Instituto de Psiquiatria da FMUSP. (Foto: Marcos Santos – USP Imagens)

Durante a tarefa anti-sacada, notou-se que pessoas com a doença levavam mais tempo para alterar a direção do olhar bem como cometiam mais erros, quando comparadas às saudáveis. Enquanto no grupo CCL, os padrões ora eram semelhantes aos de pessoas controles, ora daquelas com Alzheimer. O comprometimento identificado na população intermediária é algo notado apenas em avaliação neuropsicológica. “Conseguimos ver um declínio das funções executivas com muitos detalhes, sendo possível traçar o perfil do movimento ocular para cada um dos três grupos”, comemora a pesquisadora.

Para ela, ainda serão necessários estudos que analise essas variações ao longo dos anos, para que se possa confirmar os achados de sua pesquisa, garantindo que o método possa ser utilizado como um biomarcador da doença de Alzheimer. Por outro lado, para pessoas que podem apresentar o quadro, o trabalho representa esperança para se diagnosticar de forma mais simples e rápida, contribuindo para que o tratamento comece o mais cedo possível. 

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