Plano Collor mostra a economia para além da racionalidade

Pacote de medidas econômicas ficou marcado por confiscar dinheiro das poupanças da população

Capa do jornal O Globo após anúncio das medidas – Foto: O Globo / Reprodução

A economia é estigmatizada como precisa, exata – decisões surgem somente de análises densas e racionais para se obter o resultado mais próximo daquilo que foi projetado. Porém, enquanto essas decisões forem tomadas por seres humanos, ainda há brecha para algo imponderável acontecer. Na tentativa de explorar um ponto de vista da História Econômica no qual a influência de questões humanas e comportamentais são levadas em consideração, a historiadora Francine De Lorenzo Andozia desenvolveu seu mestrado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

“Percebi um olhar da história que tem sido desprezado, pensar a história considerando o fator humano na parte econômica”, comenta. Ao pensar em como estudar isso na história brasileira, o episódio do Plano Collor e o confisco das poupanças pareceu muito adequado no quesito “sair totalmente fora das projeções esperadas pela economia tradicional”.

“Não tentei buscar verdades ou dizer que tudo feito até então está errado, mas complementar com um novo ponto de vista sobre esse episódio histórico”

O Plano Collor foi um pacote de medidas econômicas implantadas pelo presidente Fernando Collor de Mello em 1990 para tentar estancar o cenário de hiperinflação que assolava o Brasil. Uma das ações mais marcantes foi o congelamento do dinheiro das poupanças nos bancos, limitando o acesso a pequenos saques. O decreto retirou cerca de 75% do dinheiro em circulação na economia nacional e impactou diretamente a vida de toda a população. O impacto foi imediato. Atividades simples desde idas ao supermercado, até pagamento de compras foram subitamente interrompidos. Sem pensar profundamente sobre os impactos, a equipe econômica de Collor fez com que o brasileiro tivesse que repensar toda a dinâmica de sua vida do dia para a noite.

A historiadora explica que a lógica simples e direta por trás desse plano é que “se houvesse menos dinheiro circulando, a inflação cairia porque as pessoas estariam comprando menos”. Porém, o resultado foi muito diferente. Houve um “arrefecimento inflacionário” que diminuiu os índices em um primeiro momento, mas logo depois a inflação voltou a subir com força e só foi controlada anos depois com o Plano Real. Francine buscou contemplar as questões humanas e comportamentais em seu trabalho justamente para tentar entender por que as teorias e planos econômicos muitas vezes não se confirmavam na prática.

Francine pontua que já existem estudos feitos sobre o Plano Collor, mas muito focados nos aspectos políticos e econômicos do episódio. “A ideia foi abrir uma nova porta para ser ampliada e estudada. Tratar do tema com uma visão que ainda não foi colocada”. 

O Plano Collor, e sobretudo o confisco das poupanças, atingiram um espectro muito grande da população. Porém, a desigualdade social brasileira cria fortes discrepâncias de pensamentos e realidades entre diferentes grupos. Pela limitação de estar realizando a pesquisa sozinha, ela explica que foi necessário fazer recortes na análise. Ao restringir, Francine optou pela “população urbana dos grandes centros”.

Para analisar pelo prisma das questões comportamentais e humanas, a historiadora recorreu a uma ampla gama de fontes. Uma das principais foram cartas que leitores dos jornais de grande circulação mandavam. “A forma que as pessoas se expressam nas redes sociais hoje em dia, antigamente faziam nas colunas de defesa do consumidor”, explica. Além de reportagens e pesquisas da época, Francine conta que buscou fontes não tradicionais para chegar na opinião popular do período, como a novela “Rainha da Sucata” e os programas humorísticos da TV Pirata.

“Entender essa realidade e como as coisas funcionavam é essencial para compreendermos a magnitude de medidas como as anunciadas pelo governo Collor”

A pesquisadora chama a atenção para as diferentes formas de violência que existem para além da física. “Nossos formuladores de política e nossos ministros são responsáveis por algo muito significativo e que influencia demais a vida das pessoas. Fazer um plano econômico como foi o Plano Collor leva as pessoas a um grau de desespero que é uma violência psicológica brutal”, pontua. 

O estudo permitiu uma análise dos erros de projeção do governo Collor que expõe a necessidade de se levar em consideração o “fator humano” na Economia. Ela argumenta que “como nós somos falhos, a economia não é uma ciência exata, se não ponderarmos isso, erros ocorrerão e aparecerão falhas”. A pesquisa de Francine permitiu olhar a história por um novo prisma, e abre caminho para que esses erros não se repitam.

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