Cemitérios podem ser espaço de lazer e convívio

(Foto: Divulgação)

No mês de outubro de 2019, a Prefeitura de São Paulo abriu à consulta pública os documentos elaborados para a concessão dos cemitérios municipais à iniciativa privada. A cobertura nos noticiários a respeito do tema não foi ampla, sendo o assunto pouco divulgado. Quem notou isso foi Felipe Fuchs, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, ao realizar uma pesquisa que discute a relação dos cemitérios com a cidade.

Para o pesquisador, a relutância em relação aos cemitérios é reflexo de processos culturalmente estabelecidos ao longo do tempo. Ele explica que há aproximadamente dois séculos a morte passou a ser vista como um problema. Essa visão é característica da modernidade que passou a evitar o incômodo e as emoções provocadas por ela. Desde a Idade Média até o começo do século XIX, os sepultamentos aconteciam em capelas e igrejas, próximo ao cotidiano das pessoas no centro das cidades, quando uma mudança de paradigma levou a maioria dos enterros a ser realizada em espaços afastados.

O arquiteto acredita que uma reaproximação das pessoas com as questões fúnebres pode ser muito benéfica. “Nos municípios, em geral, as áreas de convívio e lazer são escassas. Os cemitérios, nesse cenário, são áreas verdes já existentes que poderiam se tornar mais atrativas para a sociedade. Isso até poderia ajudar as pessoas no processo de luto”, comenta.

Apesar disso, o pesquisador destaca que a função principal dos cemitérios não pode ficar em segundo plano: “O que se propõe é que esses espaços não sejam pensados apenas como um lugar para resguardar corpos, mas que sejam reconfortantes e capazes de convidar os cidadãos a usá-los”.

A partir da realização de incursões etnográficas, o arquiteto constatou que em espaços como o Cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, são realizadas diversas atividades que não estão restritas apenas a aspectos fúnebres. Ali ocorrem, por exemplo, a prática de exercícios físicos, passeios com animais de estimação e colheita de flores e frutos. “Formas inesperadas de apropriação surgem a partir das possibilidades encontradas”, afirma Felipe Fuchs.

Ao longo do seu trabalho, o pesquisador ainda ressalta que o mercado fúnebre está passando por uma transformação pois a demanda por mais espaços de sepultamento obriga a sociedade a buscar alternativas. “No Japão, os índices de cremação estão acima dos 99% tanto por uma questão cultural quanto pela preferência a otimização espacial em um país que possui regiões bastante adensadas”, acrescenta. No Brasil, por sua vez, ele explica que em alguns cemitérios de mais baixa renda, como é o caso do Cemitério da Vila Formosa, é possível exumar um corpo após três anos do seu sepultamento e reutilizar o espaço para um novo enterro, havendo uma espécie de rodízio das áreas de cova.

Sendo assim, é possível notar que algumas mudanças acontecem como resposta aos cenários apresentados. Para o arquiteto, no entanto, as políticas públicas podem ajudar a direcionar certas tendências visando melhorar a relação dos cidadãos com a morte e os espaços fúnebres. “Além do enterro e da cremação, existem outras formas de tratamento do corpo que podem ser adotadas. Acredito que poderia haver uma maior divulgação para que as pessoas possam escolher o que acharem mais conveniente de acordo com suas crenças e convicções”, exemplifica.

Ainda, para o arquiteto, seria importante discutir mudanças na configuração dos cemitérios que poderiam incentivar o seu aproveitamento e atenuar a percepção negativa vigente nesses locais. “Os elementos que compõem o cemitério poderiam ser trabalhados de modo a criar ambiências propícias à meditação e ao estar. Assim, esses espaços poderiam contribuir para fortalecer as noções de convivência e sociabilidade junto à complexa dinâmica urbana de uma cidade como São Paulo.”

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