Exercícios físicos durante quimioterapia freia crescimento de tumor

Pesquisas do ICB apontam para exercícios aeróbios leves como ajuda no tratamento quimioterápico | Foto: IStock Getty Images

O tamanho do tumor em modelos animais que iniciaram tratamento de quimioterapia não aumenta se ele for submetido a rotina de exercício aeróbio moderado. Resultados de pesquisas feitas na Universidade de São Paulo (USP) mostram que a realização de atividades esportivas ajudou no quadro dos camundongos, além de restaurar até certo ponto o músculo esquelético que teve sua massa diminuída no processo quimioterápico.

Nos experimentos feitos no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, os camundongos foram distribuídos em três grupos: os que estavam com o tumor no pulmão e não faziam quimioterapia; os que se tratavam somente com quimioterapia e os que eram submetidos às sessões de quimioterapia e ainda faziam exercício de caminhada na esteira, de segunda à sexta-feira por cerca de 40 minutos. As análises também foram divididas em um intervalo de tempo: 21, 28 e 35 dias após as sessões.

Com 21 dias, o tamanho do tumor dos animais que apenas estavam submetidos a quimioterapia foi muito menor daqueles que não faziam o tratamento. “Com 28 dias, o animal que tomou a quimio e parou já tem o tumor um pouco maior que o animal que continua treinando”, explica o professor José Cesar Rosa Neto. Os estudos foram desenvolvidos pelo aluno que está encerrando o doutorado, Edson de Lima. O professor conta que, no intervalo de 35 dias, o resultado foi “assustador”. “O animal que tomou a quimio e parou, chega com o tamanho do tumor igualzinho ao animal que nunca tomou quimio. E o animal que treinou não tem crescimento tumoral”.

A quimioterapia feita foi à base de doxorrubicina, um fármaco mais utilizado nesses tratamentos oncológicos. “As células tumorais fazem mais ou menos como as bactérias. Elas criam uma resistência a esse quimioterápico. E provavelmente quando o animal toma a quimio e para, está selecionando as células mais agressivas”. Por isso, os modelos que faziam tratamento e depois pararam tiveram um aumento tumoral. E aqueles que adotaram o exercício aeróbio na rotina mantiveram o tamanho do tumor igual, inibindo um efeito colateral do uso da doxorrubicina.

O professor ressalta que os exercícios deveriam ser supervisionados e não realizados imediatamente após uma sessão quimioterápica, pois efeitos dela ainda são muito presentes no organismo humano. “Cerca de 24, 48 horas para o ser humano é uma coisa muito desagradável, mas depois disso ele fica um certo tempo até repetir o ciclo. Durante esse certo tempo ele deve realizar uma atividade aeróbia, não só pra reverter todas as questões moleculares, diminuir a perda de massa muscular, mas inclusive para se sentir melhor ter uma capacidade física minimamente mantida”.

Para chegar até as conclusões, o professor do Departamento de Biologia Celular e seu aluno constataram um problema no uso da doxorrubicina. Em estudos de 2009 com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o grupo pesquisou sobre como o próprio quimioterápico recomendado no tratamento para determinados tipos de câncer acabava tendo sérios efeitos no organismo do paciente. Para isso, os modelos seriam submetidos às sessões quimioterápicas, mas sem terem desenvolvido algum tipo de câncer.

“Com o passar do tempo observou-se que os pacientes quando perdem massa muscular, quando perdem gordura, têm pior prognóstico do câncer. Só que o quimioterápico sempre ficou de fora desse estudo sobre esse mecanismo. Será que ele ajudava nessa perda ou não?”. A pesquisa constatou que o músculo esquelético é afetado com a droga, o que leva aos pacientes terem um extremo cansaço e uma fadiga quando estão em tratamento.

O animal era saudável e o grupo dava as dosagens do quimioterápico em um nível elevado. Foi constatado que o animal chegava a perder em torno de 18 a 20% de seu peso em três dias. “Ele tinha uma alteração metabólica muito grande, tanto no metabolismo da glicose, quanto no da gordura. Fomos tentar entender quais seriam as vias moleculares que poderiam ser afetadas. E olhamos num artigo para o tecido adiposo e num outro artigo para o músculo esquelético”.

Por conta do uso da doxorrubicina, o organismo desenvolve uma resistência à insulina. Ou seja, a glicose não conseguia chegar dentro das células musculares. E mais do que isso, uma enzima chamada AMPk estava com atividade baixa. Ela atua como uma espécie de sensor energético, auxiliando na captação de substrato energético em circulação para a célula. 

Sabendo do fármaco metformina, que ativa a AMPk, o grupo, junto do professor Neto, estudou o uso da droga e do treinamento físico em experimentos com camundongos. Só que ao invés de dar uma alta dose, a doxorrubicina seria agora administrada de maneira fracionada. Foram observados resultados de perda da massa muscular proveniente do tratamento e inibição da enzima.

Mas todo o quadro foi revertido com a introdução de exercícios aeróbios na rotina dos camundongos. “A rota molecular foi restaurada, mas o mais importante: fazíamos um teste de aptidão física nesses animais. E percebemos que com o treinamento, mantivemos a aptidão física deles igual a de antes da quimioterapia. Isso mostra que na prática clínica pode trabalhar com segurança com treinamentos durante as sessões de quimioterapia”.

A professora Marília Seelander, também do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, realiza experimentos em seres humanos  de exercícios físicos no Hospital Universitário da USP, na Santa Casa e no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho. Sua equipe desenvolve pesquisas sobre a perda de massa muscular nesses tratamentos, chamada de caquexia. “Vários mecanismos que protegem o indivíduo de ter o tumor, mas o que eu acho que foi importante para a gente foi mostrar que sim, o animal com tumor, com a quimioterapia, consegue treinar”, diz Neto.

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