Doações internacionais são indiferentes a demandas locais

Sob contexto das reformas promovidas pelas agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento na América Latina e Caribe, doações externas atendem a objetivos estratégicos

Interesses econômicos e estratégicos por trás das doações internacionais (Imagem: Sofia Aguiar)

Sistemas de doações entre países são definidos e contemplados por programas de empréstimos para responder às demandas e necessidades de países. Mas atores locais raramente influenciam as diretrizes dos programas em que eles eram os supostos beneficiários. A tese de doutorado Assistência Internacional e Reforma do Setor de Segurança na América Latina e Caribe, de Ana Maura Tomesani, atribui a ambígua relação entre doadores e beneficiários nas cooperações externas.

A tese aborda que doações das agências internacionais direcionadas para a América Latina e Caribe têm objetivos indeterminados e, não necessariamente, visam o benefício ou ajuda para a região. A indefinição faz com que intervenções sejam feitas mesmo quando não solicitadas ou são indesejáveis para os receptores. Ana Maura analisa que, em grande parte, as doações são determinadas pelos próprios doadores para interesse próprio, mas declaram os custos com relevância de ajuda.

A autora comenta que “mesmo quando um país doe atendendo a um apelo passional de seus cidadãos, a decisão de doar é política e estratégica. Não se trata de algo voluntarioso e pode ou não ter a finalidade de melhorar os problemas locais”, e complementa: “A decisão de doar é auto-centrada”.

Ana Maura exemplifica que a resolução de problemas locais, nos casos de Saúde e Meio Ambiente, tende a atender objetivos estratégicos de ajuda. “Outras vezes, as demandas locais são completamente indiferentes ao propósito (declarado ou não) da ajuda”, diz. Segundo a autora, ao se referir aos maiores doadores para a área de segurança na América Latina – Estados Unidos e Canadá –, a preocupação que os leva a doar parece estar mais relacionada à sua própria segurança interna.

Demandas do receptor e interesse do doador

Sobre saúde e meio ambiente, a autora comenta que as demandas do doador e do receptor podem convergir. Apesar do interesse do doador em manter a biodiversidade do país receptor para fins farmacêuticos, há interesse do país destinatário em preservar a natureza como forma de manter e proteger comunidades nativas. 

Programas de vacinação também têm base em benefício mútuo para evitar a propagação de doenças pelas fronteiras. Ana Maura comenta que a pressa na criação da vacina contra o ebola tenha sido para conter essa propagação. “Embora a ajuda seja auto-interessada, este interesse pode convergir com a demanda do receptor – ou não. No caso da segurança, que foi aquele com que trabalhei de forma mais detida, estes interesses de doador e receptor não convergem”, complementa.

Cooperações bilaterais e multilaterais

A tese traz a diferença entre doações entre organismos bilaterais e multilaterais. Ana Mara constata que programas financiados por agências multilaterais têm maior aderência às necessidades locais do que aqueles promovidos por agências bilaterais, que são menos orientadas pela demanda e mais guiada pelos interesses dos doadores. 

No entanto, sob um crescente aumento das relações bilaterais atual, a autora comenta que há uma perda nas cooperações. “O bilateralismo não oferece instância de mediação entre os interesses de um e outro país, o que implica dizer que países mais favorecidos (tanto econômica como militarmente) podem impor condições aos menos favorecidos”, comenta a autora, e avança: “Acordos bilaterais podem subverter o equilíbrio, às vezes cambaleante, alcançado a duras penas e ao longo de muitos anos através do multilateralismo. Tratados comerciais fornecem os melhores exemplos de situações em que o bilateralismo pode ter efeitos perversos sobre todo o sistema”. Ela cita os efeitos da conclusão do Brexit como trará intensas discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC) e na Comunidade Europeia.  

Ana Maura questiona o conceito de justiça nas trocas entre países de realidade econômica, social e política diferentes. Segundo ela, é preciso analisar o quão justas são as cooperações para as partes envolvidas. Em relação a trocas Norte-Sul, elas podem ser vistas sob o termo “assistência”, mas não doação já que não há troca entre iguais, sem hierarquia de poder, seja de ordem econômica ou militar. “Por isso, para alguns autores faria sentido falar em cooperação sul-sul, mas não em cooperação norte-sul.”

A autora não enxerga a cooperação ou assistência Norte-Sul como um problema. Apesar de uma ação interessada, ela comenta que, se há a convergência de interesses entre doador e receptor, as trocas devem acontecer. Mas “doações” claramente auto-interessadas e que não representam nenhum benefício para o país receptor trazem descaso com necessidades locais e ganham o aspecto de investimento. “Este tipo de ‘doação’ definitivamente não contribui para o desenvolvimento do país receptor, pois não está minimamente alinhado com as necessidades reportadas pelo beneficiário.” 

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