Obra do Racionais MC’s é reconhecida tardiamente pela academia e mídia

Debate no IEB abordou questões que permeiam a história do grupo, como economia, preconceito e racismo.

Racionais MC's na Virada Cultural, em 2013 (Imagem: Mumu Silva/Reprodução)

Fundado em 1988, o grupo de rap Racionais MC’s é considerado um dos mais influentes do país, com músicas que abordam temas como preconceito, desigualdade social, a realidade na periferia de São Paulo, entre outros. A importância cultural do grupo formado por Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock é reconhecida atualmente pelos meios de comunicação e é tema de teses e dissertações na comunidade acadêmica.

Diante disso, o programa de pós-graduação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo, o Núcleo de Estudos da Canção Brasileira (NCEB) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o  Laboratório Interdisciplinar do IEB (LabIEB) promoveram, na sexta-feira (01), o evento “Racionais MC’s: poesia/música, raça/economia/sociedade”. O debate, mediado pelo professor do IEB, Walter Garcia, contou com a participação de três estudiosos de diferentes áreas para discutir os desdobramentos da obra dos Racionais em seus campos de estudo.

Cartaz de divulgação do debate (Reprodução: IEB/USP)

Falar sobre Racionais, em todos os campos propostos pelo evento, passa por um ponto essencial na formação do grupo: raça. O fato de ser um homem negro da periferia está presente nas letras, atitudes e performance dos rappers, ponto de partida para a discussão, após a exibição de vídeos do grupo. Primeiro, foi mostrado um episódio do programa da MTV “Yo!”, de 1994, com a apresentação ao vivo de “Fim de Semana no Parque”; em seguida, foi exibido o clipe oficial de “Vida Loka parte II” e, por último, a performance de “1000 trutas, 1000 tretas” do DVD do grupo, de 2002. Guto Leite, professor de Literatura Brasileira da UFRGS, chama atenção para o crescimento da estrutura das apresentações do Racionais MC’s, do primeiro até o último vídeo apresentado.

Guilherme Botelho, mestre em Cultura e Identidades Brasileiras pelo IEB, lembra que o ano da apresentação no “Yo!”, 1994, foi simbólico para o rap: foi o segundo ano consecutivo em que um disco do gênero estava entre os mais vendidos, e foi quando a MTV começou a abrir espaço para os rappers em sua programação e em festivais organizados pela emissora. “Era o ano em que o rap começou a dar os seus primeiros passos na mídia hegemônica. Eles (os integrantes do Racionais MC’s) estavam começando a lidar com esse tipo de representação”, conta Guilherme, explicando a performance mais tímida em frente às câmeras no início das aparições dos rappers nos programas de TV.

Da esquerda para a direita: Guto Leite, Guilherme Botelho e Gabriela Mendes (Imagem: Bianca Muniz)

Pensando nesse crescimento, a pesquisadora e economista Gabriela Mendes Chaves indagou em qual momento os Racionais passaram a usufruir do dinheiro de seu trabalho, em meio à pirataria, e ganhar projeção nacional. Para a pesquisadora, essa questão está presente na discografia do grupo. Apesar das músicas apresentarem, com o passar dos anos, uma ideia crescente de “ostentação” e ascensão social (como na letra de “Eu compro”, do álbum “Cores e Valores” (2004)), ela acredita que essas letras querem passar uma “ilusão de inclusão”, pois há uma falsa visibilidade conquistada pelo grupo, exemplificada pelo reconhecimento tardio de sua obra pela academia e meios de comunicação.

Walter Garcia questionou se a mídia estava preparada para o impacto do Racionais e por isso teve que se adaptar. Gabriela conta que é difícil não falar do grupo sem um abalo, e com a mídia não seria diferente. “Falar de raça do jeito que eles falavam nos anos 90, era um negócio desestabilizador”, conta a economista. “A mídia brasileira tenta ser caucasiana. Então imaginem a periferia chegando na mídia e reivindicando o lugar de periferia, sem suavizar o discurso”.

Quando se trata do rap dentro da universidade, os pesquisadores possuem visões diferentes. “Para algumas formações culturais, o rap é uma unidade distante da universidade”, relata Guto. Ele, que é um pesquisador do sul e branco, comenta que Racionais foi reconhecido pela academia muito recentemente. “É interessante perceber que ainda se tem uma resistência muito grande em tratar Racionais como poesia, como gênero literário. Mas devemos pensar que a resistência no sul é muito maior. Eles eram tratados como objeto de estudo em outros lugares do Brasil, mas no sul, a resistência era forte”. Gabriela, que faz parte do movimento negro, ressalta que a entrada do disco “Sobrevivendo no Inferno” na lista de leituras obrigatórias da Unicamp não foi surpresa para a comunidade acadêmica que estuda artistas negros. “É óbvia essa escolha. Óbvia, extremamente necessária, mas tardia”.

Apesar das falas dos outros pesquisadores, Guilherme discorda, dizendo que a academia não descobriu o rap recentemente e que há produções de pesquisa sobre o gênero desde os anos 90. “Foi a academia branca descobriu agora que pode e tem que entender o rap”. Mas para ele, o aumento de visibilidade para esses trabalhos ocorreu recentemente, como resultado do aumento do acesso à universidade pelos negros, por meio de ações afirmativas. Nesse sentido, a partir das reivindicações de estudantes negros, a academia (predominantemente formada por pesquisadores brancos) passou a discutir essas obras.

De acordo com os pesquisadores, a obra do Racionais MC’s precisou de 30 anos para ser absorvida com o valor de arte que tem. Um dos motivos principais apontados no debate é a dificuldade das instituições em assumir o racismo estrutural e a desigualdade presentes na sociedade brasileira.

3 Comentário

  1. Os Racionais Mc’s foram fundados em 1988, São 30 anos de trabalho.
    Espero que tenha sido um erro de digitação, de modo que toda a pesquisa pode ser comprometida por deixar de fora seu início mais marcante nas periferias.

    • Boa tarde, Marcio
      Agradeço pela leitura! De fato, o Racionais MC’s surgiu em 88, conforme dito no debate, não em 1998. Será corrigido.

      Muito obrigada!

  2. “1000 trutas, 1000 tretas” o DVD foi gravado em 2006, e não em 2002.

    Outro erro também é no ano de lançamento do álbum “Cores e Valores”. É 2014 e não em 2004.

    Por gentileza, arrumem essas datas que a matéria ficará quase impecável. :).

    Racionais MC’s na veia!!!

    Forte abraço!!!

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