Treinamento prático ajuda obstetras a darem más notícias

Comunicação devidamente realizada é uma forma de garantir a adesão do paciente ao tratamento.

Se colocar no papel do paciente permitiu uma maior empatia aos participantes do treinamento. (Foto: Tirachadz - Freepik)

Contar uma notícia ruim não é algo fácil. Para os profissionais da saúde isso tende a ser ainda mais desafiador, já que trata-se de algo que está intimamente atrelado à vida. 

Uma pesquisa de mestrado realizada no Hospital das Clínicas (HC) revelou a importância do treinamento prático para momentos como estes, algo que, de acordo com a mestranda, médica obstetra e ginecologista Fernanda Figueiredo de Oliveira, pode proporcionar melhorias no atendimento e auxiliar na formação médica.

A base dos cuidados paliativos perinatais

Dentro do Hospital das Clínicas, a professora Lisandra Stein Bernardes, orientadora da pesquisa e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveu um grupo de cuidados paliativos perinatais, responsável por atender gestantes que tenham fetos com malformação congênita. 

Ao realizar uma análise sobre isso junto com Fernanda, ambas verificaram que a comunicação de más notícias era a base desses cuidados, crucial até para a adesão do paciente ao tratamento. “Notamos também que havia uma grande dificuldade dos profissionais por conta da literatura disponível, que é pouquíssima na obstetrícia.” Complementa, a médica.

O treinamento

Baseando-se em protocolos de comunicação e ao que era importante para o paciente, Oliveira montou o primeiro questionário de seu mestrado, aplicado no Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas. Com escalas Likert variando entre um (discordância total) a cinco (concordância total), os médicos deveriam analisar 24 afirmações neste formato. De acordo com a mestranda, “o objetivo era avaliar as percepções, sensações e sentimentos frente a uma determinada afirmação.”

O questionário também contava com outras 13 perguntas sobre dados sociodemográficos e duas questões dissertativas. Com a coleta das respostas, o treinamento prático foi estruturado. Na primeira parte, os participantes foram submetidos a uma aula expositiva, na qual o protocolo era apresentado, o que, na concepção de Fernanda, foi importante para mostrar a relevância da notícia não só na vida do paciente, mas na do próprio profissional.

Na segunda etapa, os participantes foram divididos em grupos de dez a 12 membros. Em uma técnica de dramatização intitulada de role play, cada um assumiu um papel diferente — médico, paciente ou acompanhante. A cena era caracterizada pelo momento em que o médico precisava dar uma má notícia. 

“A literatura faz essa dramatização, muitas vezes, com atores ou pacientes que já vivenciaram essa situação. Mas a nossa ideia, de colocar os profissionais para atuarem em todos os papéis, foi de fazer a pessoa que interpretou o paciente se sentir como tal realmente, para gerar uma empatia maior.” Destaca, Fernanda. No final de cada sessão teatral, havia um feedback sobre o atendimento ali apresentado e isso não foi restringido apenas aos que encenaram, mas àqueles que assistiram. O intuito era saber como essas pessoas se sentiram ao dar ou ao receber a má notícia.

Segundo a médica, o momento transcendia: “a gente compartilhava experiências, as dificuldades em se comunicar uma má notícia, quando os profissionais pediam ajuda para lidar com um caso difícil ou contavam alguma vivência relacionada. Isso foi bastante interessante.” 

Quando todos os participantes foram devidamente treinados, o mesmo questionário do início da pesquisa foi aplicado, com a finalidade de verificar se houve melhora nas etapas previstas pelo protocolo de comunicação. Mais de 80% dos médicos do departamento obstétrico do HC participaram da pesquisa. 

Desafio em dar más notícias na área obstétrica pode ser amenizado com treinamento prático. (Foto: Bokskapet – Pixa Bay)

Contribuições da pesquisa

Para a médica, o ponto principal da tese foi mostrar a importância do tema e da realização de treinamentos. “Às vezes, esse assunto é deixado de lado, por ser uma tarefa muito difícil a ser realizada. Na verdade, nós nunca estaremos preparados, mas vamos poder diminuir a nossa angústia e melhorar o atendimento para o paciente.” Oliveira considera que o objetivo de melhorar o atendimento foi além, já que trouxe muitos benefícios aos participantes. 

Na concepção dela, o assunto deveria ser de interesse de todos. Muitas vezes, ao longo de sua pesquisa, as pessoas se surpreendiam ao saber que a mestranda é médica, já que o assunto está atrelado mais à psicologia no imaginário social. “É fácil dar a notícia, recomendar à pessoa que fale com a psicóloga e fugir. Com essa pesquisa, as pessoas puderam perceber que isso vai além.”

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