Trabalho conjunto mapeia brucelose e tuberculose bovina para amparar decisões sanitárias

USP trabalha em parceria com governo para levantar dados e soluções para as enfermidades

Ambas as enfermidades causam perdas na produção de carne e de produtos lácteos, podendo ser transmitidas para o homem. Imagem: Samantha Prado.

Com o objetivo gerar uma série de indicadores para amparar decisões sanitárias e implementações de políticas públicas pelo Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (Pncebt), construiu-se um grande projeto de pesquisa em torno das duas enfermidades na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. Dirigido pelo professor José Soares Ferreira Neto, a pesquisa trabalha em parceria com os serviços veterinários oficiais (SVOs) e deu seus primeiros passos em 2001. 

Atualmente, essa iniciativa está sendo financiada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), SVOs e Fapesp (Projeto de Políticas Públicas, processo 2017/50190-1).

Segundo o professor, o grupo opta por trabalhar com problemas reais e não modelos teóricos: “é um exemplo clássico de ciência aplicada, porém muito desafiador por envolver grandes equipes.e problemas complexos”. Contando com parceria do Mapa e todas as unidades federativas do país, o estudo envolve gama diversificada de profissionais e forma muitos recursos humanos. Dentro da coordenação, estão envolvidos epidemiologistas, veterinários, físicos e integrantes de outras universidades – como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além de já ter produzido cerca de 1.300 citações, o projeto formou 65 alunos de pós-graduação, sendo 45 deles advindos dos serviços oficiais. “São pessoas que aproveitam essa iniciativa e vêm conosco desenvolver programas de mestrado ou doutorado. É um ‘ganha-ganha’”, diz o titular.

Agora em etapas finais, o projeto está sendo desenvolvido em três módulos relacionados às duas enfermidades: situação epidemiológica, sistemas de vigilância e análise de risco humano pelo consumo de produto lácteo. Tanto a brucelose quanto a tuberculose bovina causam grandes perdas econômicas à produção nacional – com sacrifício de animais infectados e queda da credibilidade das unidades produtoras – além de serem transmitidas aos seres humanos. 

Informações sobre as doenças. Ambas causam risco ao homem e ao gado. Imagem: Samantha Prado.

Estados de carne para brucelose, estados de leite para tuberculose

A primeira parte do trabalho consiste em realizar um estudo descritivo detalhado, apontando como se encontra a situação epidemiológica da tuberculose bovina e da brucelose em cada estado brasileiro. O objetivo é gerar informações de alta qualidade para ajudar a tomada de decisões governamentais, criando intervenções sob medida para cada estado. “Trata-se de um estudo de prevalência e de fatores de risco. Pretendemos ter uma descrição inicial de como estavam as doenças antes da nossa intervenção, pois é esperado que elas diminuam. É uma forma de produzir um indicador muito robusto para averiguar se as ações estão realmente surtindo resultado”, explica o professor. 

Até o momento, a pesquisa apontou altas prevalências da brucelose bovina na região Centro Oeste, onde se encontram os estados produtores de carne. Enquanto isso, a região Sul tem situação inversa. Ferreira Neto explica que esse tipo de estudo permite um direcionamento dos serviços de saúde para lidar com o problema: “de imediato, podemos dizer que esses estados com prevalências de moderada para alta ou altíssima, precisam vacinar. A vacinação é a forma mais eficiente de diminuir altas prevalências”. Por outro lado, estados com baixas taxas de brucelose devem adotar sistemas de vigilância a fim de detectar propriedades infectadas, sanando o foco. “Nesses estados, a vacina não produz nenhum resultado. Trata-se de eliminar a doença como um todo, transformando as poucas propriedades foco em propriedades livres”, diz ele.

Mapa de prevalência da tuberculose bovina, realizado pelo estudo. Imagem: José Soares Ferreira Neto
Mapa de prevalência da brucelose bovina, realizado pelo estudo. Imagem: José Soares Ferreira Neto

Enquanto isso, as maiores prevalências de tuberculose bovina encontram-se na região norte de São Paulo, Rio de Janeiro, sul de Minas Gerais e parte de Goiás – o chamado cinturão leiteiro do país. A enfermidade está relacionada ao leite devido ao seu modo de produção: sendo uma bactéria transmitida pelo ar, grandes aglomerados facilitam a contaminação – o que acontece com o gado leiteiro pelo menos uma vez por dia, devido à ordenha. Sem vacina, a tuberculose necessita do sistema de vigilância para identificar e sanear os focos da doença.   

Vigilância nos abatedouros e análise de risco de produtos lácteos 

A importância dos sistemas de vigilância para enfrentar o problema da tuberculose bovina levou o projeto a dedicar um módulo apenas para eles. “Sistemas de vigilância são rotinas implementadas nos serviços oficiais, cada estado tem seu serviço veterinário oficial que desenvolve esse trabalho”, explica o professor. A segunda parte da pesquisa estuda problemas relacionados a eles e desenvolve soluções. 

No caso da tuberculose, o protocolo ideal seria uma ligação entre abatedouros e laboratórios para detecção de focos. “Todo animal abatido  passa pela inspeção de um veterinário que averigua se sua carne está apta para o consumo. A tuberculose produz lesões que podem ser vistas por esse inspetor. Assim, a melhor dinâmica para encontrar os focos da doença é enviar as lesões detectadas no abatedouro para o laboratório. Caso seja comprovada a enfermidade, manda-se uma notificação para o local de abate e, a partir dele, rastrea-se a propriedade de origem. Você tem um foco para sanear”, explica Ferreira Neto. 

Apesar da dinâmica não ser complexa, há alguns empecilhos no seu desenvolvimento como o fato de nem todos os abatedouros terem equipamentos para congelar as lesões – que precisam estar dessa forma para serem levadas ao laboratório. O projeto visa resolver esse tipo de problema pontual.  

Além disso, também é desenvolvida uma metodologia para estudar o alcance desse tipo de sistema de vigilância, uma vez que nem todas as propriedades produtoras de gado enviam seus animais para abatedouros com serviço de inspeção. “Alguns fazem o que chamamos de abate clandestino: vende para o açougue ou comercializa informalmente”, diz o titular. Segundo ele, a metodologia é baseada em redes complexas para averiguar a cobertura do sistema, pois pode ser necessário elaborar novas formas de lidar com o problema. 

Dentro do último módulo do projeto, encontra-se o desenvolvimento de um modelo de análise de risco humano quanto ao consumo de produtos lácteos – já que ambas as enfermidades são transmitidas pelo leite e seus derivados. Segundo o professor, esse modelo tem o objetivo de trazer um pouco de luz a respeito do risco associado ao consumo: “a partir disso, a região produtora pode pensar em formas de mitigar o risco sanitário que seus produtos oferecem, como realizar operações de saneamento nas propriedades envolvidas ou alterar as formas de produção.” 

Por fim, Ferreira Neto afirma que o projeto de pesquisa nasceu do desejo de endereçar soluções para problemas concretos. Ele acredita que, em um cenário no qual o país exporta um terço do que é produzido em suas cadeias de carne, a falta de evidências de um produto saudável é muito prejudicial. “Com ciência e metodologia, geramos dados de boa qualidade para evoluirmos. Nossa missão é ajudar o Brasil a se desenvolver do ponto de vista sanitário”, conclui ele.   

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*