Desafio do combate à violência doméstica começa na saúde

A falta de conhecimento por parte dos profissionais dificulta a denúncia de casos de maus tratos

Capa da cartilha sobre violência doméstica para cirurgiões-dentistas. Ilustração: Lara Maria Herrera

Pode-se atribuir diferentes razões que dificultam o enfrentamento aos maus tratos, inclusive atitudes dentro do sistema de saúde. O professor Rodolfo Melani, coordenador do Laboratório de Antropologia e Odontologia Forense da Faculdade de Odontologia da USP, pensa que um dos entraves para o enfrentamento à violência doméstica “é o fato de os profissionais da saúde não receberem informações a respeito de como agir em situações suspeitas.”

Para ele, do ponto de vista clínico, “não há comportamento que seja entendido como um fator que caracteriza intrinsecamente aquele quadro [de violência], ou seja, um fator patognomônico.” Há diversas características que podem indicar que uma criança sofre maus tratos, desde fatores físicos até mesmo psicológicos. Por exemplo, uma queda não necessariamente está vinculada à violência, mas pode indicar algo, assim como o modo que a criança age diante do médico. É por isso que é importante o profissional possuir algum repertório para que ele tenha capacidade de fazer uma análise e, se necessário, encaminhar o caso para o Conselho Tutelar. Rodolfo diz que, no entanto, um médico não tem a obrigação de dar um diagnóstico com certeza. O seu dever é perceber uma série de aspectos (físicos ou mentais) que indique uma possibilidade, para que assim ele consiga levar ao órgão principal, que fará análises mais aprofundadas e tomará as medidas cabíveis.

Pensando em tudo isso, o professor formulou, em 2015, uma Cartilha em conjunto com alguns alunos, que tinha como objetivo mostrar a cirurgiões-dentistas como deveriam agir em casos com suspeita de maus tratos em crianças e adolescentes. O conteúdo do documento vai, desde uma detalhada explicação sobre o que é violência doméstica e quais os seus tipos, até a explicação de como e em quais órgãos denunciar. Há também um guia prático que detalha como reconhecer alguns sinais em uma consulta. Para Melani, essa cartilha teria o propósito de fornecer tais informações principalmente por conta de uma posição privilegiada com que conta o especialista: “o fato de um cirurgião dentista acompanhar essas crianças semanalmente ou durante alguns meses, desde que ele tenha essas informações no seu repertório, facilita o entendimento, a percepção desse quadro.”

Partes da cartilha elaborada em 2015. Imagem: Violência doméstica contra crianças e adolescentes para o cirurgião-dentista.

Para o professor, já há um aumento gradativo do conhecimento sobre o assunto dentre os profissionais de saúde. É claro que tal compreensão começa sempre na faculdade. O professor ministra as aulas de Odontologia Forense e o tema violência doméstica já faz parte de sua disciplina. Para ele, os alunos, a partir dos estudos, adquirem repertório para “a informação, que é fundamental para diagnosticar ou estabelecer a possibilidade que a criança esteja sofrendo maus tratos.”

O próximo passo para ele é orientar uma pesquisa que tentará avaliar os níveis de compreensão sobre violência doméstica em diferentes áreas relacionadas à odontologia. Ainda no início de sua elaboração, ela consistirá em um questionário voltado a alguns setores profissionais da área que tentará se aprofundar acerca do entendimento dos dentistas a respeito do tema. Para ele, há uma importância porque, além da informação, o enfrentamento do problema poderá ser alcançado, afinal de contas, é através da divulgação que se adquire o conhecimento a respeito de um assunto. 

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