“Música preta a gente assina”

Pesquisa se baseia na produção coreográfica em Minas Gerais

Alunos de extensão protagonizam coreografia "Sobre cantos, prantos e espantos: a voz da África nos Vales das Gerais". Foto: Raquel Galiciolli, Jean Gabriel, Priscila Lopes.

No semi-árido do Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, há uma cultura popular que resiste às estruturas ainda coloniais da produção artística na região. Em 2011, Priscila Lopes, professora do Departamento de Educação Física da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), iniciou um projeto de extensão para atar ginástica e símbolos populares.

Priscila utiliza o modelo de Ginástica Para Todos, prática corporal em que uma coreografia é produzida a partir do foco em material específico ou tema. Por exemplo, pode-se escolher uma bola e explorar os movimentos possíveis. A pesquisadora uniu essa atividade à questão da cultura popular. “Nossa abordagem é uma construção coreográfica temática, no projeto, levei em consideração o lugar em que a Universidade está inserida”. 

Apesar do Grupo de Ginástica de Diamantina (GGD) existir há oito anos, foi neste ano que Priscila o transformou em seu alvo de pesquisa por meio do doutorado que está em desenvolvimento na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. Seu objetivo é investigar quais são os saberes que os participantes incorporam a partir da atividade, levantando até mesmo o papel da extensão universitária na vida das pessoas.

Em sua tese, o recorte de período avaliado corresponde ao primeiro semestre de 2019, em que o tema escolhido pelo grupo foi “cultura preta”. Ao usar o método Paulo Freire, os alunos constroem o conhecimento e investigam as temáticas que escolheram juntos. “Eles mostraram aquilo que conheciam e isso foi complementado pelas pesquisas que fizeram durante o projeto”, explica.

Canto de resistência

Foto: Raquel Galiciolli, Jean Gabriel, Priscila Lopes.

Para definir o que é cultura popular, Priscila se baseia na teoria de Stuart Hall, que diz respeito às relações de poder no âmbito cultural. A dominante é a produção rendida ao sistema econômico e sua finalidade é um interesse de mercado. “A cultura popular está dentro do tradicional, mas ela não é ingênua. Ela é o lugar onde a luta e a resistência ocorrem, não necessariamente para manter o tradicional, mas para não se render à cultura dominante, de mercado”.

Os participantes do projeto optaram pela “cultura preta” por compreenderem como uma cultura silenciada e resistente. “Um dos professores que convidamos sugeriu que tratássemos sobre os Vissungos, cantos africanos entoados por negros escravizados na região de Diamantina”. Desse modo, os Vissungos se tornaram o mote da apresentação. A coreografia teve o título “Sobre cantos, prantos e espantos: a voz da África nos Vales das Gerais”. 

Foto: Raquel Galiciolli, Jean Gabriel, Priscila Lopes.

A ideia entra em combate com os traços coloniais ainda muito fortes na região, como a Vesperata de Diamantina, um tradicional concerto em que os músicos ficam nas sacadas dos casarões do entorno da praça e o público se situa no centro para assistir. Embora o evento ocorra em local público, os espectadores são separados em pagantes, que ficam dentro de uma corda de isolamento, e não pagantes, que ficam em espaço restrito, ou seja, às margens da corda. O público pagante é em sua maioria composto por turistas com alto poder aquisitivo.

Protagonismo frente à dominação

A atual pesquisa analisa como eles se envolvem e se a visão sobre o Vale do Jequitinhonha muda. Priscila enfatizou também um dos resultados do projeto foi a mudança na autodeclaração de cor. Ela realizou um questionário baseado na autodeclaração ao início e ao fim do curso. “Já ouvi integrantes dizerem ‘eu me descobri preta’”.

O processo todo é centralizado no aluno, no conhecimento que ele trouxe e adquiriu. “Desde os primeiros anos, percebi uma grande dificuldade das pessoas em se reconhecerem e reconhecerem as riquezas do lugar. Ao mesmo tempo, após esse processo, vejo que eles passaram a valorizar o que eles viviam como cultura”.

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