Litoral norte de São Paulo foi palco para chegada ilegal de escravos

Estudo aponta possíveis causas para o desembarque nessas regiões

Praia Brava de Almada. Foto: Leila Bozzo Alves

Ao contrário do que se imaginava, as praias do litoral norte de São Paulo também foram protagonistas para a entrada ilegal de africanos no País. Indícios materiais e narrativas compartilhadas por moradores dos municípios contribuíram para pesquisa de Luciana Bozzo Alves, acerca da diáspora africana. Em seu trabalho de mestrado pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, Alves disse que esses locais foram propícios aos desembarques durante o período da ilegalidade por causa da “proximidade com o Vale do Paraíba, região de utilização intensa de mão de obra de africanos escravizados nas lavouras de café”.  

Com a proibição do comércio negreiro, outras rotas foram utilizadas pelos navios. “Comecei a pesquisar sobre esses desembarques fora dos portos tradicionais e percebi que o litoral norte paulista não constava nesse “pool” de locais de desembarques, tendo essa região sido negligenciada, principalmente pelo porto do Rio de Janeiro e, após as proibições, pelos desembarques ilegais no litoral sul fluminense”, explica a pesquisadora. 

Praias do município de Ubatuba indicadas como pontos de desembarque ilegal de africanos escravizados. Fonte: Google Earth, 2016. Adaptação: Luciana Bozzo Alves

Luciana tinha em mãos um grande desafio teórico e metodológico, seus conhecimentos em Oceanografia contribuíram para desenvolver uma abordagem com interface terra e mar. A partir disso, foram analisados a paisagem, aspectos oceanográficos e as histórias de locais, revelando a praia dos Castelhanos em Ilhabela e a praia de Ubatumirim em Ubatuba como locais com alta probabilidade de terem sido portas ilegais para chegada de escravos.

Ao todo foram identificados 20 possíveis pontos de desembarques: onze em Ubatuba, dois em Caraguatatuba, quatro em São Sebastião e três no município de Ilhabela.  

Pernambuco, Salvador e Rio de Janeiro foram portos com intensas movimentações de embarcações que traziam e levavam do Brasil as mais diversas mercadorias. Os escravos também entravam nessa categoria e por isso essas regiões são mais reconhecidas quando o assunto é movimentações de embarcações negreiras. Porém, “outros portos menores como Portos do Maranhão, São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, entre outros também tinham movimentações e dificilmente são citados quando o assunto é o desembarque de africanos”, afirma Luciana Bozzo. 

Ainda de acordo com a arqueóloga, os portos de Ubatuba e São Sebastião tiveram um declínio com a construção de estradas e ferrovias que permitiam o escoamento de produtos com maior agilidade, menor custo de transporte e maiores volumes através do porto de Santos. Enquanto recebia toda atenção para o transporte de mercadorias e produtos, “outras porções do litoral tinham a inviabilidade de abrigar áreas propícias para construção de portos a seu favor”. Os trabalhos que associam regiões específicas a recepção de africanos ainda são escassos, e muitas vezes abordam o Estado de maneira genérica.

Entrevista na praia de Picinguaba com Benedito da Silva, conhecido como “Seu Pú”. Foto: Itamar Marcelino de Souza

A memória foi uma grande ferramenta para formular a narrativa daquele período. “Optei por buscar contato com diversos moradores da região, que habitassem as comunidades caiçaras ou as comunidades quilombolas identificadas em Ubatuba”, conta Luciana. Em algumas comunidades o diálogo foi fluído, no entanto em outras a desconfiança acerca do trabalho da pesquisadora foi um empecilho. 

“A visita a comunidade quilombola do Sertão de Itamambuca foi complexa devido ao processo envolvendo a demarcação de terras que a comunidade enfrenta, tendo diversos núcleos congelados e muita disputa por áreas atualmente pleiteadas pela comunidade”, ressalta Alves. Segundo a pesquisadora, as comunidades quilombolas não eram o foco do estudo, assim as informações coletadas foram suficientes para a análise do conjunto.

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