Ilhas oceânicas são peças de um enorme quebra-cabeça biológico

Ilha de Trindade teve comunidade de seres vivos do fundo do mar analisada por pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP

Foto aérea da Ilha de Trindade. Imagem: Simone Marinho via Wikimedia Commons.

O Estado do Espírito Santo possui um arquipélago distante cerca de 1.200 quilômetros da capital Vitória. Trata-se do Arquipélago de Trindade e Martim Vaz. A fim de consolidar a importância dos estudos de ilhas oceânicas que formam um importante quebra-cabeça marinho mundial, a pesquisadora Carolina Medeiros, do Instituto de Oceanografia (IO) da USP, analisou dados da Ilha de Trindade. Sendo uma ilha isolada geograficamente, ela não recebe muita interferência das ações humanas do continente.

O objetivo inicial era fazer uma caracterização do que havia de comunidade bentônica da ilha, ou seja, os organismos que vivem associados ao substrato que é o fundo do mar. Fazendo ainda uma análise temporal da mesma, vendo se havia algo que estava mudando e o que tinha em um ano e no outro”, explica a oceanógrafa.

A análise anual era feita pois as expedições do programa que ela integrava, o de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) de Ilhas Oceânicas (Iloc), eram realizadas anualmente.

Localização da Ilha em relação ao Espírito Santo. Imagem: Arte Folha Online.

Dados observou dinâmica de seres marinhos

As análises temporais foram baseadas em dados de 2013 a 2017, com exceção do ano de 2014, que não teve expedição. Além disso, Carolina afirma que, desde o princípio, ela já queria fazer uma comparação espacial. “Queria saber como estava essa comunidade, qual a dinâmica dela durante os anos, comparando espacialmente os sítios.”

Um dos focos da pesquisa foram nos organismos que estão em cima do substrato rochoso oceânico, chamados de epibentos. Medeiros explica que, como ela só trabalhou com foto, não era possível ver organismos que viviam entre as rochas ou dentro delas. 

A análise temporal apresentou uma diferença significativa entre um período e outro, em que houve uma oscilação entre a dominância de certas espécies na comparação entre os anos. 

Um outro ponto analisado foi se havia diferença na profundidade, que não teve mudanças significativas. “Isso provavelmente aconteceu porque lá é uma ilha oceânica. Diferente da costa e ilhas costeiras, que tem influência de rios e antrópica e uma água com pouca visibilidade. As áreas oceânicas, como a Ilha de Trindade, têm uma água muito mais transparente”, aponta a pesquisadora.

Exemplos de epibentos. Imagem: Laetitia Plaisance/ Global ARMS Program.

Peculiaridade

Algo interessante ocorreu em 2015, quando teve El Niño no final daquele ano. Em 2016, seu efeito foi observado, provavelmente, em função da água ter ficado mais quente. “Na expedição de 2016, reparamos que algas calcárias e os organismos bioconstrutores diminuíram. Já as macroalgas filamentosas (finas) e foliáceas aumentaram”, conta Carolina.

Segundo ela, uma das causas para que isso pudesse ter acontecido se deve ao fato de que as macroalgas têm uma afinidade tropical maior, crescendo com mais facilidade em ambientes com águas mais quentes. A água um pouco mais aquecida favoreceu o crescimento, tirando espaço da alga calcária, de fisiologia diferente e crescimento bem lento. 

“Em compensação houve o contrário no ano seguinte, 2017, surgindo uma anomalia térmica negativa. Ao invés de ter uma água mais quente, ficou cerca de 1,5 ºC abaixo do normal”. Essa mudança fez com que as macroalgas tivessem suas populações reduzidas, deixando espaço para as algas calcárias crostosas crescerem, provavelmente, ao terem aproveitado o espaço livre deixado e crescendo com a temperatura menor.

Nascer do sol visto da Ilha de Trindade, que precisa da sua contínua afirmação de preservação. Imagem: João Luiz Gasparini

Tema necessário

Por serem isoladas, as ilhas possuem um grau de endemismo maior do que a costa, onde os organismos se espalham com maior facilidade. “Em áreas isoladas os organismos tendem à especiação, ou seja, a serem endêmicos, exclusivos de suas regiões.”

As mudanças já vêm afetando muito e modificando o ambiente. Quanto mais se conhece esses locais, mais dados haverá para comparações. “Será que está mudando pois estamos mexendo muito ou é algo natural? Se não conhecemos, não tem como falar que algo está impactado ou que impactou, porque ninguém conhecia antes” informa Carolina, alertando ainda sobre a importância de se estudar essas regiões, mesmo sendo afastadas.

“Esse trabalho que fiz foi só o começo de um monitoramento que é longo e que é de suma importância sua continuação. Eu gosto de dizer que ele é a primeira peça de um quebra-cabeça que é para ser encaixado e servido de base para outras pesquisas e estudos e a continuidade desse monitoramento.” 

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