Fragmentação de projetos atrapalha inovação no sistema ferroviário paulista

Saturação do sistema rodoviário acarreta novas iniciativas para a implantação de trens, mas essas ainda possuem caráter muito fragmentado

As linhas férreas do estado de São Paulo não têm sido prioridade desde os anos 60. Fonte: reprodução.

Colocados sob análise, os novos projetos de linhas férreas pensados para o estado de São Paulo revelaram ter defeitos – mesmo que, em sua maioria, estejam em processo de evolução de planejamento. O urbanista Marcelo Arend Madalozzo realizou um mestrado sobre esse tema, no qual concluiu que esses novos (e bem-vindos) projetos para renovar o sistema ferroviário paulista têm sido elaborados de forma fragmentada, sem considerar um ao outro no momento de sua construção. Segundo o pesquisador, esses também não têm levado em conta a relação entre os vários tipos de transporte disponíveis no cenário urbano, e suas devidas demandas. “Os projetos foram pensados em um contexto muito isolado entre outras escalas de infraestruturas de transporte, o que fragiliza a real capacidade de transformação do espaço”, analisa Marcelo.

Além disso, ele também ressalta que a questão principal para a implantação de uma infraestrutura ferroviária não está na manutenção de linhas existentes, mas na seleção daquelas que poderiam servir às necessidades colocadas nesse momento, e àquelas então projetadas para o longo prazo.

A dissertação, realizada pela FAU-USP, tem como principal objetivo analisar dez iniciativas traçadas para o sistema ferroviário de São Paulo atualmente, além de propor soluções para os defeitos encontrados nelas. Para tanto, o pesquisador procurou desde documentos oficiais até conferências que lhe dessem informações sobre esses projetos, e procurou compará-los, de alguma forma, com o sistema ferroviário francês atual. Segundo Marcelo, não havia como fazer comparações com casos brasileiros, uma vez que as linhas férreas de média e longa distância estão bastante desmanteladas, e o sistema ferroviário francês, por sua vez, é reconhecido pelo seu bom planejamento (embora atualmente haja falhas por ali também).

Haja vista o saturamento do sistema rodoviário no estado de São Paulo, bem como o fato de que o sistema ferroviário é a melhor opção para atender os interesses de “eficiência energética, baixa poluição, segurança e rapidez no atendimento às cidades”, esse estudo passa a ter importância significativa para o planejamento público atual. Principalmente porque, segundo Marcelo, apenas uma dessas dez iniciativas tem sido realmente trabalhada pelo governo estadual para a sua implementação: e é justamente a que possui “mais fragilidades em seu projeto”.

As iniciativas e as críticas

Dentre os dez projetos analisados (especificados na tabela abaixo), dois mereceram mais destaque, por motivos diferentes. O primeiro deles é o Sistema de Trens Intercidades, único visado pelo governo estadual, e o segundo o Rede de Ligações Regionais, o mais completo entre todos eles, segundo o pesquisador.

Fonte: Marcelo Arend Madalozzo.

Sistema de Trens Intercidades:

Entregue em julho de 2013 e elaborado de forma conjunta pelas empresas Estação da Luz Participações – EDLP e Banco BTG Pactual, esse projeto propõe uma rede de transporte ferroviário de passageiros para a Macrometrópole Paulista. Ela seria composta por uma linha Norte-Sul e uma outra Leste-Oeste, e a cidade de São Paulo estaria no centro delas, servindo para conexões entre ambas.

Mapeamento da proposta Sistema de Trens Intercidades, entregue em 2013. Fonte: Elaborado por Marcelo Arend sobre QUINTELLA, 2016.

A proposta encontrava-se, até o início do ano passado (quando foi analisada pelo pesquisador), sob a responsabilidade da Secretaria do Governo do Estado de São Paulo – a única, dentre as dez iniciativas, trabalhada pelo governo estadual atualmente. O pesquisador diz, no entanto, que além de o órgão responsável não possuir equipe capacitada para a análise técnica das soluções do projeto na época (como engenheiros, arquitetos e geógrafos), e abster-se de avaliar sua viabilização jurídica e financeira, há ainda um outro problema importante: esse seria o projeto mais falho entre todos os outros analisados. “Dentre todas as iniciativas, a única que está sendo de fato trabalhada pelo governo estadual para sua implantação é, ironicamente, aquela que apresenta as maiores fragilidades do ponto de vista técnico. A administração estadual preteriu os demais planos”, diz Marcelo.

Além disso, segundo ele, qualquer previsão para a sua implementação é ainda irreal. “À parte de todos os defeitos e incongruências que pudemos apontar nessa iniciativa, o projeto depende de um acordo do governo do estado com as empresas detentoras da concessão das ferrovias e com o governo federal. Uma vez que essas ações ainda não saíram do papel, qualquer previsão para a inauguração de uma das linhas ferroviárias é absolutamente especulativa. Pessoalmente, não estou otimista”, relata.

Rede de Ligações Regionais:

Entregue em abril de 2013, esse projeto é um resultado de várias pesquisas de mobilidade e de demanda coordenadas pela CPTM e desenvolvidas pela empresa Oficina. Tais pesquisas e estudos têm o intuito de compreender como têm acontecido os deslocamentos de pessoas no território da Macrometrópole Paulista, bem como aspectos demográficos e de desenvolvimento econômico que “explicam os fluxos atuais e condicionam as previsões dos fluxos futuros”. Isso significa uma nova abordagem de projeto, uma vez que leva em conta os outros já desenvolvidos para o estado de São Paulo, além de dados reais sobre o fluxo de pessoas sobre aspectos demográficos.

Mapeamento da proposta Rede de Ligações Regionais, entregue em 2013. Fonte: Elaborado por Marcelo Arend sobre CPTM, 2013.

Esse seria, portanto, o mais completo dos planos estudados, já que reúne boa parte das práticas desenvolvidas nos planos anteriores – o que é visível na própria abrangência das cidades envolvidas no projeto. “Sobretudo no caso da Rede de Ligações Regionais, vemos que existiu uma intenção de ‘pressionar’ o Estado para que assumisse o seu papel na estruturação do território ao trabalhar uma área que ultrapassa aquela da Macrometrópole Paulista. Vemos, por outro lado, que o Estado insiste em seguir com a diferenciação do espaço ao abdicar de todos os planos em prol do Sistema de Trens Intercidades. Resta saber por quanto tempo vamos insistir nesse erro”, finaliza o pesquisador Marcelo.

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