Alteração no relógio biológico aperfeiçoa plantas

De acordo com pesquisa, a melhor sincronização do relógio biológico pode apresentar até mesmo solução a mudanças climáticas

A cana-de-açúcar foi uma das plantas estudadas na pesquisa. Imagem: Reprodução.

O fato de algumas plantas preferirem incidência direta da luz do sol, enquanto outras se dão melhor na sombra, não é à toa: cada ser fotossintetizante possui um relógio próprio, capaz de sincronizar processos biológicos internos com fatores ambientais rítmicos externos. Esse relógio, chamado de “circadiano”, pode ser identificado e estimulado, por exemplo, para melhor proveito humano, como constatou Cícero Alves em sua tese de doutorado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP).

Em sua pesquisa, foram estudadas as espécies de alga Gracilaria tenuistipitata e Ostreococcus tauri, e a gramínea Saccharum sp, comumente conhecida como cana-de-açúcar. Para averiguar o funcionamento de seus relógios circadianos, cada espécie foi submetida a estresse, como o aumento de temperatura e a crise hídrica, na esperança de que os resultados pudessem favorecer agricultores e possíveis aplicações biotecnológicas. 

A alga O. tauri, importante na alimentação de bivalves e excelente bioindicador de qualidade da água, enfrentou maior incidência de luz. O estudo do relógio dessa espécie, similar ao de outra alga tóxica e prejudicial à sua produção, poderia indicar um modo de interromper seu crescimento. “Estudando o relógio em O. tauri podemos fornecer informações importantes a aquicultores de peixes e bivalves sobre as condições climáticas que estimulam as eflorescências de espécies tóxicas, que podem suspender completamente a cadeia produtiva da maricultura, como frequentemente já vimos no litoral de Santa Catarina, com os cultivos de ostras”, explica Cícero.

Já a G. tenuistipitata, espécie de alga vermelha que tem tendência de formar eflorescências prejudiciais ao comércio e ao turismo, foi submetida ao déficit hídrico. “[A espécie] tem altíssimo potencial biotecnológico por crescer rápido e ser largamente tolerante a estresses”, explica o pesquisador. “Com o desenvolvimento da pesquisa básica nesta alga, não só se pode mitigar esses problemas [diminuir prejuízos em áreas de pesca, aquicultura e turismo] com mais facilidade, como é possível reverter uma espécie prejudicial em um cultivo marinho riquíssimo em moléculas antioxidantes e infinitas aplicações em biotecnologia marinha”.

A cana-de-açúcar, da espécie Saccharum sp, também enfrentou déficit hídrico. Isso porque o estresse hídrico pode ser sinal para diversas mudanças em sua fisiologia. Há registros, por exemplo, de que a quantidade de sacarose da cana-de-açúcar aumenta após períodos de escassez de água, como expõe Cícero Alves: “Por ajudar a manter o equilíbrio osmótico, a produção de alguns açúcares pode ser estimulada sob escassez de água. Assim, conhecendo detalhadamente essa relação entre relógio e seca, podemos prever e saber a dose exata de deficiência hídrica em que a cana possa produzir mais açúcar e sofrer menos danos”.

Atualmente, algumas plantações, como as do milho e arroz, já apresentam modificações genéticas no relógio circadiano de suas plantas, que apresentam maior tolerância ao estresse salino, térmico e hídrico. O estudo de Cícero, além de explorar espécies que não são usualmente estudadas, também é importante ao abordar soluções possíveis de serem relacionadas a cenários extremos de condição climática, os quais se tornam mais comuns conforme a intensificação da degradação ambiental.

“O relógio biológico tem cada vez mais se mostrado um grande regulador de diversos processos na fisiologia e ciclo de vida de diversos organismos. A identificação dos genes centrais que controlam o relógio pode permitir o desenvolvimento e seleção (intencional) de linhagens mais eficientes, como fizemos há milhares de anos. Paralelamente, os cenários mais otimistas sobre o aquecimento global antropogênico exponencial têm se mostrado catastróficos. Assim, a cronobiologia de plantas e algas é um assunto de segurança alimentar e climático que pode prorrogar por anos a falência da humanidade como a conhecemos”, conclui o pesquisador.

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