Criminalidade está associada ao mau aproveitamento da função social do espaço urbano

Região do Largo da Batata. Foto: Reprodução

Espaços como o Largo da Batata, com constante movimentação de pessoas, possibilitam a ocorrência elevada de furtos, enquanto zonas do Largo Nossa Senhora do Ó, onde há menos movimentação e mais construções abandonadas, são mais propícias para abordagens criminosas maiores. Assim, os espaços urbanos, cada qual com suas singularidades, espelham a ocorrência, ou não, de diferentes tipos de crimes. Essa
relação entre ambientes espalhados pelas cidades e a criminalidade é explorada no estudo desenvolvido no IEB por Cyro de Souza Neto, doutor em arquitetura e urbanismo.

Evidentemente, a pauta da violência urbana é frequente e cotidiana no imaginário do cidadão brasileiro, sendo um ponto importante do debate político atual. Porém, algo não tão debatido é a ligação dessa violência com a estrutura das cidades. “Essa mazela toca o espaço urbano e modifica até a forma das casas, das ruas”, aponta o pesquisador, evidenciando que a problemática atinge toda a forma de vida urbana. “O medo do crime modifica a forma de se viver.”

O desejo de estudar a temática veio do berço: nascido em Recife, capital de Pernambuco e uma das cidades com maior ocorrência de crimes, o nordestino sentiu curiosidade em estudar seu município após se formar em arquitetura. Assim, iniciou sua primeira pesquisa, analisando como o desenho urbano da região histórica de Recife e suas edificações favoreciam a ocorrência de crimes, enquanto outros trechos inibiam a ação criminosa. Dessa forma, deu-se o início do processo de análises que relacionam as cidades e a criminalidade.

Para estudar o espaço de São Paulo, Cyro conta que foram utilizados métodos empíricos nas análises locais – juntamente com “programas de georreferenciamento, que fornecem dados sobre os crimes e indicam os locais de cada tipo de eventos, como furtos e assaltos, e assim indicavam as regiões onde o estudo local seria desenvolvido”, explica. Além disso, foram analisados também mapas e fotografias, a história das regiões e sua arquitetura local. “No caso, o Largo da Batata e o Largo Nossa Senhora do Ó foram estudadas a fundo, foram criados mapas dos eventos de crime para entender bem como a criminalidade se movimenta no espaço.”

Sobre as percepções da pesquisa, Cyro explica: “O crime é um ‘objeto’ itinerante, ou seja, ele se move no espaço. O agente criminoso procura e analisa o espaço urbano com a finalidade de encontrar o melhor local para sua ação”. Dessa maneira, a geografia das cidades pode impactar seus índices de criminalidade, já que os criminosos irão procurar pelo espaço ideal, onde supostamente as chances de serem pegos são menores.

Além disso, Cyro observou um tipo de arquitetura inóspita, gerando uma “limpeza urbana, por meio de grandes construções, como os grandes condomínios que cercam as ruas e colocam grades e câmeras, provocando um esvaziamento de ruas e até a não utilização de praças”. Como exemplo, o pesquisador aponta que as regiões analisadas tiveram seu desenho urbano reformulado após a construção de “fortificações residenciais de grande porte”. Ele explica: “Casas tem sua estrutura modificada com fortificações e com isso o uso destes espaços torna-se obsoleto. Então é criado uma zona fantasma em regiões que antes eram de grande fluxo de pessoas”.

Cyro chama atenção para o fato de que a pesquisa pretende abrir caminho para futuros estudos para que essa temática seja cada vez mais analisada de maneira responsável. “O crime é um problema que está longe de ser sanado em nosso país, mas que pode ser reduzido. Não por meio de forte policiamento, ou equipamentos de defesa como os grandes muros e câmeras que vemos nas ruas, mas, sim, pela melhoria de nossas cidades, com praças e locais de encontro, que proporcionam sociabilidade e trocas humanas”, defende Cyro.

Além disso, o pesquisador aponta o perigo de mecanismos que são vistos como benéficos para o combate ao crime: “O medo do crime cria uma diversidade de objetos, câmeras, grades, muros, e assim segrega o espaço, que antes era de todos, para uma população enclausurada”. Assim, o estudo evidencia que o aproveitamento do potencial de sociabilidade dos espaços — que deveriam ser mais fluidos e abertos —, geraria uma melhor qualidade de vida nas cidades.

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