Segundo professor, nova política externa brasileira agarra-se ao presidente americano

“Mudar tudo o que está aí” de fato se cumpre no que se refere a assuntos exteriores

Em 29/11/18, Bolsonaro recebe em sua casa o conselheiro de segurança nacional da casa branca, John Bolton, acompanhado do chanceler Ernesto Araújo e outros membros de seu governo. Créditos: Wikimedia Commons

Em 1962, os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos trocaram cartas. Numa resposta a John F. Kennedy, João Goulart escreveu: “A defesa da autodeterminação dos povos, em sua máxima amplitude, tornou-se o ponto crucial da política externa do Brasil”. O assunto em questão era a crise dos mísseis de Cuba. Porém, mais do que dizer que o Brasil se mantinha neutro, a resposta do então presidente brasileiro mostrava uma diretriz cara à tradição diplomática do Itamaraty – a não intervenção em conflitos internos de outros países.

Desde que Bolsonaro assumiu a presidência, a tradição de se relacionar de forma plural com diversos países foi substituída por um alinhamento ferrenho aos Estados Unidos. Ou melhor: ao presidente Donald Trump. Esta é a análise do professor de ciência política da USP Jean François Tible.

“Tradicionalmente no debate sobre política externa brasileira, discute-se muito dois paradigmas: em certos momentos o Brasil privilegia mais a relação com os EUA, em outros ele prioriza mais a relação com os demais países”, afirma o analista.

Os dois globalismos

Quando se refere a “relacionar com outros países”, Jean explica que isso é o que os professores chamam de “globalismo”, conceito diferente do que o atual chanceler Ernesto Araújo tem usado. 

Segundo o professor, o sentido convencional da palavra surge a partir da Segunda Guerra Mundial e antes do Golpe Militar de 64, com uma política externa independente iniciada com Jânio Quadros e que continua com João Goulart. São exemplos da época as relações com o continente africano e as relações com o bloco socialista. Não por acaso, quando Jânio renunciou, Jango estava na China”.

“No período Lula, volta esse globalismo”. Lula foi inúmeras vezes ao continente africano, abriu embaixadas lá, aumentou relações com a China – que vira o maior parceiro comercial -, formou-se os BRICS (grupo de países de economias emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas). 

Na outra ponta, mas sem romper a corda, estava uma tradição mais americanista. Iniciada desde Rio Branco, homem considerado o patrono da diplomacia brasileira e que negociou a compra do Acre, essa tendência também permeou os governos Castelo Branco e Collor.

Já sobre o que o ministro entende por globalismo não há um consenso, o que pode ser justificado por não haver uma linha teórica que sustente suas ideias. “Globalismo para o Ernesto Araújo é algo derivado das ideias do Olavo de Carvalho. Seriam forças que querem acabar com a nação e com Deus”. O ministro também constrói uma visão heroica do Ocidente, glorificando as Navegações do séc. 14 e a colonização portuguesa no Brasil, bem como Dom Sebastião e a batalha dos cristãos contra os mouros na península ibérica.

Em um célebre artigo publicado nos Cadernos de Política Exterior em 2017 intitulado “Trump e o Ocidente”, Ernesto Araújo eleva Donald Trump à posição de salvador da civilização ocidental. “Nessa perspectiva, portanto, ele coloca o Brasil sob as asas do presidente norte americano”. Até o início do mandato, havia no governo o rumor de que, tal como os EUA, o Brasil sairia do Acordo de Paris, plano interrompido pelo setor do agronegócio. Em 8 de janeiro, o Brasil comunicou às Nações Unidas que se retirava do Pacto Mundial de Migração. Também nessa linha estava a decisão de que o Brasil não iria mais sediar a Semana Climática, organizada pela ONU, em Salvador; depois da má repercussão, o evento foi confirmado. “Tudo isso sob o argumento de que seriam medidas globalistas. O Brasil teria que se afirmar como nação – e uma nação cristã. Na minha visão, todos esses elementos são novidade para a política externa brasileira. Em nenhum momento se argumentou e se pensou a posição do Brasil no mundo dessa forma”.

Desde a ascensão dessas ideias ao posto mais alto das relações exteriores brasileiras, a diplomacia tem tomado uma terceira via, diferente das duas posições que delimitavam a conduta do Itamaraty.

As consequências

Apesar de o governo se dizer contrário a “amarras ideologia”, cientistas avaliam que as medidas do governo em geral, mas particularmente no Ministério das Relações Exteriores (MRE), são ideológicas.

Até o início do mandato, Bolsonaro havia confirmado ao jornal israelense Israel Hayom que transferiria a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Voltou atrás após perceber que a bancada do agronegócio, que compõe a base aliada do governo, se prejudicaria, uma vez que países árabes são compradores de insumos agropecuários.

Em vista das perdas econômicas que as atitudes meramente ideológicas do MRE podem trazer ao Brasil, é de se perguntar se as forças do mercado irão controlar as relações internacionais brasileiras. Diante desse questionamento, Jean Tible aposta num meio-termo. “Acho que eles estão tentando encontrar um equilíbrio, mas é muito difícil fazer uma projeção, porque a situação está muito instável. Enfim, o que eu estou vendo agora é um acomodamento. O Mourão está voltando da China, por exemplo”.

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