Tratamento com luz mostra eficácia contra tumor no pâncreas

Através de fotossensibilizadores introduzidos no organismo, luz pode substituir tratamentos invasivos e pouco efetivos no combate ao câncer

O comprimento de onda da luz de LED vermelha é capaz de atingir células tumorais durante a fototerapia. Imagem: Pixabay.

Uma simples luz LED vermelha, com o comprimento de onda correto e incidida sobre fotossensibilizadores adequados, é capaz de causar a morte de células tumorais de pâncreas e, além disso, ser mais efetiva que outros tratamentos, como a quimioterapia. É o que Daria Raquel Queiroz de Almeida, pesquisadora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), constatou em seu mestrado, concluído no ano passado.

A terapia com luz, chamada de terapia fotodinâmica (PDT, em inglês), é efetuada a partir de três elementos básicos: luz, fotossensibilizadores e oxigênio. As moléculas fotossensibilizadoras são capazes de serem excitadas pelo comprimento de onda de luz específico e, uma vez excitadas, desenvolvem uma cadeia de reações com a participação do oxigênio presente nos tecidos. Essas reações têm a capacidade de causar danos nas células tumorais e, por estresse oxidativo, causar até mesmo a indução da morte dessas células por vias diversas.

Os objetivos principais da pesquisadora eram verificar a possibilidade de destruição de células tumorais através do procedimento fotodinâmico e entender os processos desencadeados como um todo. “No geral, parte da resistência para aplicação nas clínicas é devido à necessidade de conhecer bem os processos desencadeados para garantir que não irá prejudicar outros tecidos. Às vezes, o procedimento está matando o tumor, mas cria um processo inflamatório que pode ser ainda mais prejudicial. Então estamos tentando entender in vitro como isso acontece para podermos prosseguir para um modelo in vivo, em animais, para depois tentarmos nas clínicas”, explica Queiroz.

Outro fator relevante e de fundamental importância para o sucesso da terapia com luz é o estudo das vias de morte desencadeadas pelo processo. Isso porque os tumores apresentam diferenças nos tipos celulares que os compõem e têm como característica marcante de sua biologia a resistência à via clássica de morte celular programada, a apoptose, ou “suicídio celular”.

“Nossa preocupação não é apenas matar essas células tumorais, afinal se usarmos água sanitária a mataremos do mesmo jeito”, brinca a pesquisadora. “Estamos preocupados em entender como ocorre esse processo e entender a participação de outras vias de morte menos comuns de ativação. Se há no tumor um grupo de células resistente à certa via de morte e o tratamento ativa outras, a chance de aumentar a destruição dessas células é maior”.

Atualmente, o câncer no pâncreas não possui tratamento efetivo. Apenas cerca de 20% dos pacientes diagnosticados com tumor pancreático são considerados aptos ao procedimento cirúrgico para retirada do tecido, uma vez que o diagnóstico é muitas vezes dado em estado já avançado. Desses 20%, aqueles que obtêm sucesso na retirada ainda sofrem com a possibilidade de reaparecimento do tumor por conta de células remanescentes em seus organismos, o que dá uma expectativa de vida baixa para esses pacientes.

Uma das possibilidades de uso da terapia fotodinâmica, enquanto não a de resolver por completo o tumor, é conciliá-la à cirurgia de retirada das células tumorais. Assim, logo após o procedimento cirúrgico, a luz, junto ao fotossensibilizador e ao oxigênio, poderia destruir possíveis resquícios de células tumorais, evitando o reaparecimento da doença ou ao menos prolongando a expectativa de vida do paciente.

Além de possibilitar melhores resultados a longo prazo, Raquel Queiroz explica que a terapia fotodinâmica também apresenta vantagens se comparada à quimioterapia. Enquanto este último procedimento utiliza fármacos que inibem a divisão celular do corpo inteiro do paciente, o que provoca a queda capilar e efeitos nocivos, a terapia com luz utiliza o fotossensibilizador azul de metileno, que apresenta baixa toxicidade. Isso quer dizer que, mesmo se aplicado, por exemplo, via intravenosa e se espalhar por todo o corpo, apenas a parte atingida pela luz provocará a inibição da divisão celular e consequente morte das células no paciente.

 

Anteriormente a este estudo sobre a terapia fotodinâmica em tumores pancreáticos, uma colega de laboratório de Raquel, Ancély Ferreira dos Santos, doutora em ciência bioquímica pelo IQ-USP, já estudava o efeito da PDT no câncer de mama. Utilizando os mesmos métodos, a pesquisadora também constatou o sucesso da indução de vias de morte nas células e, hoje, estuda se há uma relação entre a ativação do sistema imune do paciente com a morte celular causada pela terapia.

“Essas células tumorais que estão morrendo disparam sinais, liberando substâncias no ambiente onde elas estão e que podem atuar ativando o sistema imune”, explica Ancély Ferreira. “Então, se é feita uma intervenção que consiga ativar esse sistema imune, as células que não foram removidas na primeira aplicação do tratamento são reconhecidas e eliminadas, erradicando o tumor. É uma terapia local, mas que pode ter um efeito sistêmico”.

Por enquanto, os estudos da terapia fotodinâmica contra tumores permanecem in vitroO resultado dessa primeira parte do trabalho com as células tumorais de pâncreas está sendo preparado para publicação, afirma Raquel Queiroz. Ainda segundo a pesquisadora, os próximos passos de sua pesquisa devem caminhar em direção à utilização de modelos experimentais em cultivo 3D, que melhor mimetizam as condições ambientais no organismo vivo e, mais adiante, em modelos animais. A partir de então, o tratamento do câncer por luz estará mais próximo de ser aplicável em humanos.

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