Inserção feminina no mercado de trabalho é maior no Brasil que na Índia

Participação de mulheres no mercado de trabalho indiano não aumentou com crescimento econômico. Foto: Helena Wolfenson

O Brasil e a Índia são países com semelhanças: possuem economias emergentes, grandes populações, são ex-colônias européias e que enfrentam diversos desafios socioeconômicos. Mas também possuem diferenças, e uma delas está na presença de mulheres no mercado de trabalho, maior no Brasil e menor na Índia.

Essa foi a temática estudada pela pesquisadora Veronica Deviá em sua dissertação de mestrado, intitulada A participação feminina na força de trabalho em economias em desenvolvimento: uma comparação entre o Brasil e a Índia. A pesquisa foi desenvolvida no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

A metodologia de pesquisa de Deviá combinou técnicas qualitativas e quantitativas, utilizando, em especial, os chamados microdados, a menor fração de informação coletada em uma pesquisa. “A ideia era usá-los para mensurar qual a proporção de mulheres que estão no mercado de trabalho, ver quem são, quanto ganham, qual a escolaridade delas e sua cor”, comenta a pesquisadora.

De início, seu objetivo era analisar a situação das mulheres no mercado de trabalho de todos os países que compõe os Brics, grupo de países com economia em desenvolvimento que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Entretanto, a pesquisadora constatou que os dados da Rússia e da China não eram confiáveis. Deviá explica que, então, focou ”no Brasil e na Índia, pois ambos tinham dados confiáveis e são casos emblemáticos.”

A pesquisadora decidiu ver se a teoria clássica que associa gênero e desenvolvimento econômico iria se confirmar nas realidades indiana e brasileira. Ela determina que quanto maior for o desenvolvimento econômico de um país, maior será a inserção das mulheres no mercado de trabalho. A partir dos seus estudos, Deviá concluiu que essa maior participação feminina ocorreu no Brasil, mas não na Índia, onde, inclusive, o crescimento econômico resultou em uma menor inserção.

Outra teoria analisada pela pesquisadora foi a chamada Curva de Goldin, que determina que mulheres com baixa renda têm uma maior inserção no mercado de trabalho, mas essa inserção cai conforme a renda aumenta até que, em uma determinada renda alta, volta a subir. A explicação por trás dessa curva é que mulheres mais pobres são obrigadas a trabalhar para se sustentar, mas as de classe média não conseguem conciliar o trabalho com a vida familiar, em especial o cuidado com filhos, e abandonam a carreira. As mais ricas teriam condições de, por exemplo, contratar alguém para cuidar dos filhos, o que permitiria que elas se mantivessem no mercado.

A partir dos dados de renda que Deviá coletou, todos de 2014, foi possível observar que a Curva de Goldin se concretizou no Brasil, mas não na Índia. A partir disso, a pesquisadora decidiu ir além e analisar as diferenças na participação feminina no mercado de trabalho de acordo com a “região, cor e escolaridade em cada um dos países”, explica Deviá.

“Quando a gente pensa gênero, temos que pensar em teoria interseccional”. Foi com esse pensamento que Deviá conduziu sua pesquisa. Essa ideia determina que não é possível falar de mulheres como uma entidade única, já que existem abismos de acordo com a cor e escolaridade. “Os desafios e as demandas são diferentes. Os preconceitos são diferentes”, explica. A teoria, posta em prática na análise dos dados, se confirmou, e foi possível observar essas diferenças.

Para Deviá, um importante elemento da sua pesquisa é apontar que “a teoria econômica não dá conta sozinha de explicar como o mercado se comporta, pois existem os vieses de barreira, inconscientes, que seguram as mulheres”. No caso da Índia, esses vieses são extremamente fortes, já que a sociedade indiana é extremamente machista e conservadora. Assim, mesmo com um crescimento econômico, a população feminina foi impedida de aproveitar essa expansão econômica. “A Índia acaba sendo um caso extremo”, pontua a pesquisadora.

Depois de apresentar sua dissertação, Deviá, que também é jornalista, realizou o projeto documental Missing Women, em que viajou até a Índia e teve a oportunidade de observar sua pesquisa “na pele”. “As mulheres estavam a fim de falar sobre a realidade delas, trocar experiências, deu para notar os valores mais conservadores na sociedade”, comenta Deviá.

A pesquisadora considera essenciais que sejam postas em prática políticas públicas para quebrar barreiras e alterar uma mentalidade conservadora presentes tanto no Brasil quanto na Índia, que ainda limitam, em menor ou maior intensidade, a participação feminina na economia. Para ela, mesmo com problemas, o Brasil já dá algumas importantes garantias legais para as mulheres, e a sociedade brasileira mantém o assunto em debate, o que fornece um “panorama de curva crescente de conquista de direitos”.

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