Formação colaborativa promove autonomia, empoderamento e valorização dos professores

Estudo feito em escola mineira demonstrou a importância da união entre educadores

Formação continuada é essencial para capacitação dos professores. Foto: Cecília Bastos / Jornal USP

A criação de uma Comunidade de Prática em uma escola de tempo integral na cidade de Governador Valadares (MG) gerou resultados impressionantes. A fim de melhorar a formação continuada dos professores de educação física da instituição, a doutoranda da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), Luiza Lana, passou a fazer reuniões e conversas frequentes com os profissionais. Após nove meses, eles se sentiam mais capazes de realizar mudanças e passaram a dar suporte um ao outro.

A formação continuada é um item obrigatório na carga horária dos professores, mas muito raramente é posta em prática. Na escola analisada, o tempo destinado à formação continuada era utilizado para descanso (por estar entre as aulas) ou em encontros destinados ao trabalho burocrático, como preenchimento de formulários e avaliações.

Orientada por Michele Viviene Carbinatto (EEFE) e Melissa Parker (Universidade de Limerick, Irlanda), Luiza se deparou com uma situação de completo abandono ao chegar em Governador Valadares. “Vi eles serem abandonados. Não havia qualquer tipo de apoio financeiro e muito menos material para as aulas”, afirmou. A escola possui uma infraestrutura atípica, com piscina, pista de atletismo e campo de futebol, que poderia ser melhor utilizada pelos professores.

O estudo foi feito em duas fases. Inicialmente a pesquisadora atuou apenas como observadora participante, convivendo com os educadores e sem intervir diretamente, somente observando o cotidiano da escola e os principais problemas. “Este primeiro momento foi importante, pois permitiu que eu criasse uma conexão com os professores. Tudo que eles faziam, eu fazia também”, explicou. Isso possibilitou a segunda fase, na qual houve intervenção direta.

Conhecendo as dificuldades enfrentadas pelos educadores, Luiza iniciou o processo de construção de uma Comunidade Prática, em que eles poderiam refletir sobre sua atuação de maneira coletiva. A intervenção se deu em três passos: a primeira ação foi “organizar a casa”, atendendo as necessidades essenciais dos professores. De acordo com a pesquisadora, “tudo foi estruturado pensando qual seria a estrutura que a gente precisaria montar para que a formação continuada desse certo”.

Em seguida, a pesquisadora começou a implantar conversas e workshops com o objetivo de pensar a educação física na escola, analisando teorias e práticas que poderiam ser utilizadas em seu contexto. Por fim, a fase final visava consolidar o grupo de forma que estes tivessem voz ativa na instituição, pensando suas ações dentro e fora do trabalho. O resultado foi tão bom que “outros professores da escola começaram a reconhecer isso e queriam o mesmo”, disse Luiza.

Apesar de todas as dificuldades existentes, os professores de educação física se desenvolveram como uma comunidade autônoma e independente, na qual Luiza frequentemente auxiliava como líder democrática. Passaram a se engajar não apenas com os temas referentes à escola, mas também com as questões sócio-políticas envolvidas com as práticas de ser professor. Este era um resultado já esperado pela pesquisadora, que ressaltou que “a comunidade é boa para adquirir conhecimento, mas é muito mais importante para criar um coletivo reflexivo sobre sua prática e questões sociais”.

A ideia de Comunidade de Prática é vastamente utilizada no exterior, mas no Brasil são poucos os lugares em que é posta em prática. Para Luiza, o negligenciamento da técnica deve-se a “uma cultura de formação continuada que vem de cima para baixo, imposta, porque o professor não é valorizado como agente de mudança e sujeito reflexivo. Uma forma interessante de alterar esta cultura seriam colaborações entre universidades e escolas”.

Atualmente, o grupo de professores envolvidos no estudo não trabalha na mesma escola, mas, ainda assim, mantém contato através de um grupo de WhatsApp, pelo qual transmitem novas ideias para as aulas, além de oportunidades de emprego.

O estudo obteve reconhecimento acadêmico, sendo agraciada com o prêmio Developing Country Scholar Award da International Association for Physical Education in Higher Education (AIESEP), organização internacional de professores de Educação Física do Ensino Superior. O prêmio é dado para a melhor pesquisa feita em países em desenvolvimento. Agora, Luíza irá apresentar o trabalho no congresso da Associação, a ser realizado em junho deste ano, em Nova Iorque.

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