Marcadores biológicos na atmosfera podem ajudar na identificação de vida em outros planetas

Semelhanças entre as bandas atmosféricas terrestres e as de material biológico de micro-organismos, que podem servir como guia na busca de vida em exoplanetas

Sistema Solar: Créditos: 3BP

A procura por vida fora da Terra é um tema de muito interesse na Astronomia e também muito explorado pelas obras de ficção científica. As condições físico-químicas necessárias para a origem e a sobrevivência de organismos podem não ser exclusividade do nosso planeta. Assim, surge a seguinte questão: quais seriam os marcadores biológicos ligados à presença de vida que poderiam ser encontrados em outros planetas quando observados remotamente?

Provocado pelo assunto, Luander Bernardes desenvolveu sua tese de doutorado A Terra como um exoplaneta, baseando-se na perspectiva de considerar a Terra como um exoplaneta e estudar sua atmosfera em busca de marcadores biológicos. Com os avanços da tecnologia e dos satélites espaciais, é uma questão de tempo que a capacidade científica suficiente para estudar as atmosferas de planetas fora do Sistema Solar em busca de evidências da presença de vida seja atingida.

As características físico-químicas e a dinâmica do planeta têm influência na forma como certos grupos de bioassinaturas podem apresentar-se. O conteúdo biológico (micro-organismos, DNA, RNA, moléculas complexas, vírus), presente em diversos ecossistemas da superfície terrestre, pode ser transportado para a atmosfera. Esse transporte pode ocorrer por meio da ação de ventos, impactos de corpos externos, explosões vulcânicas e contaminá-la. Estima-se uma concentração na faixa entre mil e 10 mil bactérias por metro cúbico sobre a superfície continental e esse conteúdo está organizado principalmente sob a forma de aerossóis atmosféricos, mostrando que a atmosfera terrestre pode ser contaminada pelos mais diversos materiais biológicos.

A primeira análise utilizada para supor que um planeta pode ser habitável é a constatação de que ele está localizado em uma posição orbital privilegiada, onde há presença da água no estado líquido. Esse solvente é importante já que é capaz de acelerar as várias reações bioquímicas importantes no contexto evolutivo de nosso planeta. Essa região de localização privilegiada é conhecida como Zona Habitável, isto é, uma região ao redor da estrela do sistema planetário onde é possível encontrarmos água no estado líquido. Outros fatores importantes relacionados à habitabilidade planetária tomando a Terra como modelo são: a presença de uma atmosfera densa, a presença de um satélite natural como a Lua. E também, a existência de movimentações tectônicas capazes de gerar um campo magnético eficiente na proteção do planeta contra o bombardeamento de partículas oriundas do Sol.

Experimentos laboratoriais e análises da atmosfera

Trabalhos laboratoriais, de observação da atmosfera da Terra e da idealização e lançamento de uma sonda suborbital. Cedida pelo entrevistado

As análises tiveram dois tipos de experimentos: uma etapa realizada em laboratório e outra de observação e exploração da atmosfera terrestre (observação a partir do observatório do Paranal, no Chile, e a coleta de material em diversas camadas do envoltório gasoso de nosso planeta a partir de sondas suborbitais). Durante a primeira etapa a ideia foi escolher um organismo para modelo de estudo, optando pelos micro-organismos extremófilos.

 A justificativa da escolha desse grupo deve-se ao fato de que são aptos a sobreviver em ambientes estressantes tais como os locais onde se observam baixas e altas temperaturas, as localidades que apresentam altas pressões, os nichos onde há níveis elevados de radiação, as minas com altas concentrações salinas, etc. “Estas condições estressantes sempre existiram na Terra e provavelmente devem ser comuns em exoplanetas”, explica Luander. Dentro desse panorama, a archaea Halobacterium salinarum foi escolhida como modelo e foram preparadas amostras contendo seu material biológico, como células suspensas e DNA purificado.

O grupo dos extremófilos podem ser representados, por exemplo, pelas archaeas halofílicas, as bactérias como Deinococcus radiodurans e os tardígrados. A justificativa da escolha desse grupo deve-se ao fato de que são aptos a sobreviver em ambientes. Créditos: Wikipédia Commons

Todo esse conteúdo biológico foi exposto à radiação eletromagnética na faixa do infravermelho, visando simular a interação desse material com a luz proveniente das estrelas.  Durante a interação, o material biológico emite alguns sinais denominados bandas de absorção. Essas bandas estão correlacionadas com estruturas moleculares particulares do conteúdo analisado e funcionam como impressões digitais das amostras (“fingerprint”), pois denunciam a presença de determinadas características biológicas.

“Por exemplo, as bandas de absorção com picos centrados em aproximadamente 966 cm-1 (presença de ribose) e 1084 cm-1 (estiramentos assimétricos do grupamento PO2) denunciam a presença de DNA. Logo, a partir desse estudo montou-se uma biblioteca de espectros com os mais diversos tipos de absorções e que podem ser utilizadas como base para comparação com os espectros obtidos pelos telescópios espaciais a serem lançados nos próximos anos, já que eles terão a capacidade de analisar as atmosferas planetárias”, explica.

Já a segunda etapa consistiu na observação de uma camada de aproximadamente 30 km da atmosfera terrestre a partir do observatório Paranal. Após a observação, foi possível a obtenção de um espectro real da atmosfera terrestre na faixa do infravermelho. “Por meio desse espectro conseguimos observar várias absorções que acreditamos estar ligadas à presença de gases, materiais biológicos e não biológicos na atmosfera de nosso planeta. Com esse conjunto de dados, uma comparação entre os espectros obtidos em laboratórios e os obtidos por meio de observações diretas da atmosfera foi feita e foram encontradas 37 bandas em comum, mostrando que a atmosfera da Terra é contaminada com marcadores biológicos”, conta Luander.

A terceira etapa contou com o planejamento e construção de uma sonda suborbital capaz de investigar aproximadamente 35 km da atmosfera terrestre. Ela foi lançada em dezembro de 2018 e os dados do voo estão em análise. Segundo Luander, o próximo passo é conseguir desenvolver uma tecnologia capaz de analisar o conteúdo biológico desse nicho e, posteriormente, compará-los com os dados obtidos nas outras etapas do projeto.

A atmosfera pode denunciar a presença de material biológico complexo

O resultado da pesquisa mostra a existência de bandas moleculares em comum entre a atmosfera e os materiais biológicos estudados como o DNA e as células suspensas de micro-organismos, sendo atribuídas a potenciais marcadores biológicos que, possivelmente, poderão ser detectados de forma remota em futuras missões espaciais.

Intersecção das bandas de absorção do DNA/células suspensas do micro-organismo
Halobacterium salinarum com o conteúdo atmosférico.Cedida pelo entrevistado

Destacam-se entre elas, os picos que denunciam a presença de estruturas biogênicas ligadas à ácidos nucleicos (riboses e grupos fosfatos). Outra investigação feita pelo grupo do pesquisador foi a possibilidade de algumas assinaturas biológicas serem “camufladas” durante as observações pela existência de gases. Assim, as bandas de gases como o dióxido de enxofre, o etano e o ozônio podem tornar a detecção de algumas bioassinaturas uma tarefa árdua e até mesmo impossível.

Esquema mostrando as camadas da
atmosfera do planeta Terra, que está localizado
dentro da Zona Habitável do Sistema Solar,
assim como a sua contaminação com conteúdo
biológico. Imagem cedida pelo entrevistado

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