Simulações numéricas auxiliam no estudo da evolução dos aglomerados de galáxias

Modelos realizados em super computadores possibilitam simulações sobre as maiores formações galácticas

Ejeção de aglomerados de gás. Imagem cedida por Rafael Ruggiero.

O estudo dos aglomerados não é algo simples: não possuem fronteiras definidas se comparados aos planetas e são observados na Terra com suas distribuições projetadas no céu. Por ocuparem grandes dimensões espaciais enquanto orbitam um centro, os aglomerados podem acabar sofrendo colisões e originando ondas de choque dos gases intergalácticos e assim, causam a fusão de galáxias inteiras no aglomerado ou até mesmo a expulsão de galáxias já inseridas naquela região.

Utilizando as galáxias jellyfish como objeto de estudo, o pesquisador Rafael Ruggiero realizou diversas simulações sobre a evolução das galáxias em aglomerados, e seus resultados serviram para sua tese de doutorado no departamento de Astronomia no Instituto de Astronomia e Geofísica da USP (IAG – USP).   

Ruggiero e sua equipe desenvolveram modelos dinâmicos nos quais galáxias idealizadas ricas em gás movem-se em meio ao gás difuso de aglomerados de galáxias idealizados, permitindo um estudo detalhado e controlado da evolução destas galáxias neste ambiente extremo. Para a realização das simulações, utilizaram um supercomputador do pŕoprio IAG chamado Alphacrucis, que foi comprado pela FAPESP, e em um supercomputador da Suíça chamado Piz Daint quando Ruggiero estava realizando um estágio de pesquisa na Universidade de Zurique. Para termos uma melhor noção de sua complexidade, nas simulações mais pesadas, foram necessários 300 processadores e um mês ininterrupto.

Mas por que as simulações são tão pesadas para processamento? Ruggiero explica: “Os motivos são dois. Primeiro que nós estamos simulando aglomerados de galáxias inteiros, que são objetos muito grandes, enquanto ao mesmo tempo resolvemos as galáxias dentro desses aglomerados. O segundo motivo é que precisamos resolver em alta resolução o gás dessas galáxias, para conseguir seguir de maneira realista a evolução do gás dessas galáxias conforme elas se movem dentro do aglomerado.”

O tipo de simulação, chamada de “Adaptive Mesh Refinement”, é uma metodologia de simulação hidrodinâmica em que o gás é representado dentro de um grid que é refinado repetidas vezes de tal modo que as regiões da simulação de maior interesse (por exemplo, a região interna das galáxias) e recebem maior número de células, realocando os recursos do supercomputador com maior eficiência: “A alternativa seria rodar a simulação em um grid homogêneo, no qual a resolução é a mesma em toda parte, mas é inviável fazer isso. O número de células seria grande demais”, acrescenta.

[Imagens: (1) – M49, um exemplo de galáxia elíptica. (2) – NGC 1300, um exemplo de galáxia espiral (3) – M97, uma nebulosa dentro da Via Láctea. As imagens estão em escalas arbitrárias. Créditos: DSS]
As características mais comuns desses sistemas onde colisões ocorrem (ou quase ocorreram) são a formação de caudas e braços formados de estrelas que são empurradas para fora das galáxias devido ao choque entre elas. Este processo pode, em aglomerados, ao invés de formar caudas e braços, povoar o meio intra-aglomerado com estrelas que anteriormente pertenciam às galáxias, como as galáxias jellyfish (água-viva), que possuem esse nome por apresentarem filamentos que lembram os tentáculos de água-viva, formados por gases densos que foram removidos da galáxia, e as estrelas jovens e brilhantes que estão sendo ativamente formadas dentro deles é o que torna os filamentos visíveis.

Por exemplo: em uma colisão pouco violenta ou no cruzamento de galáxias próximas, a movimentação dos gases acabam induzindo a formação estelar. Em casos extremos, o choque é tão violento que causa um “canibalismo galáctico”, ou seja, uma galáxia pequena sofre uma violenta fusão por outra maior.

Sistemas de galáxias em colisão. Créditos: NASA.

As galáxias podem estar agrupadas de diversas maneiras: em pares, trios, quartetos ou mais. Já os agrupamentos, por sua vez, podem estar divididos conforme seu número de membros: aglomerados ricos de galáxias são formados por mais de centenas de galáxias, aglomerados pobres possuem entre uma dezena à uma centena de galáxias e quando a quantidade (de galáxias) não ultrapassa uma dezena, são classificadas como grupos de galáxias.

Outra categorização utilizada é em relação ao formato, considerados regulares ou irregulares: um aglomerado regular é esférico e possui galáxias concentradas em seu centro, enquanto os aglomerados regulares possuem uma distribuição aleatória. Muitos astrônomos acreditam que esse tipo de configuração espacial está ligado à evolução desses aglomerados, sendo que os mais irregulares ainda estão em processo de formação.

Até o começo do século XX não estava claro se as nebulosas galácticas residiam dentro da Via Láctea, ou se eram objetos distantes com tamanhos comparáveis ​​à nossa própria galáxia. Seus estudos ganharam maiores aprofundamentos no século passado, como podemos conferir abaixo:

Arte: Beatriz Cristina

Além disso, para realizar a simulação em laboratório, houve a utilização do Código RAMSES, um código público desenvolvido na década de 90 pelo Romain Teyssier, (orientador de Rafael no período em que esteve na Suíça). Rafael explicou que, como a maioria dos códigos de simulação atualmente disponíveis, o RAMSES foi originalmente escrito com o objetivo de rodar simulações cosmológicas, que são simulações de volumes grandes do universo rodadas com o objetivo de modelar as estruturas em larga escala e a formação de galáxias. Como o código é de uso geral, foi utilizado para rodar modelos hidrodinâmicos que não são simulações cosmológicas.

Uma das simulações realizadas pode ser conferida abaixo: uma série temporal mostrando a ejeção de aglomerados de gás (identificados por pontos brancos) por uma de nossas galáxias após sua passagem central. A diferença de tempo entre cada quadro e o próximo é de 100 Myr. Imagem inferior: uma versão com zoom do último quadro mostrando a galáxia e o cluster como um todo. Os aglomerados de gás mais à esquerda da imagem vêm de outras galáxias.

 

É importante ressaltar que os cenários estudados nas simulações não têm relação direta com a formação de galáxias ou da Via Láctea em especial, mas sim como uma galáxia já formada evolui após cair dentro de um aglomerado de galáxias. Apesar dos aglomerados terem recebido atenção das pesquisas por décadas, a tese de Ruggiero traz importantes resultados no entendimento das jellyfish:

“O primeiro é que nós encontramos um mecanismo para a geração de galáxias jellyfish em colisões de aglomerados de galáxias; já era conhecido na literatura que havia uma certa preferência de galáxias jellyfish observadas para estarem dentro de aglomerados de galáxias em colisão, mas não havia uma explicação detalhada para como isso poderia acontecer, e nós fizemos um modelo teórico para isso (o artigo é Ruggiero et al 2019). O segundo é que nós descobrimos que o gás que é perdido pelas jellyfish não se mistura com o gás do aglomerado imediatamente, e pode dar origem a aglomerações de gás molecular (que nós chamamos de “clumps”) vivendo livremente no aglomerado mesmo depois de a galáxia já ter se distanciado; essas aglomerações de gás podem parecer uma pequena galáxia para um observador, mas na realidade são objetos que já pertenceram a outra galáxia.”  

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