Indenização não funciona como reparação de danos por derramamento de óleo no mar

Acordos entre poluidor e órgão ambiental são mais eficientes em recuperar fauna e flora marítimas

Grandes plataformas petroleiras apresentam riscos de derramamento expressivos. Imagem: Zukiman Mohamad

Esporadicamente, o tema “vazamento de óleo” preenche as manchetes as brasileiras. Os derramamentos expressivos ganham espaço na mídia durante um tempo, mas logo são esquecidos. As consequências para os poluidores são pouco conhecidas e os efeitos a longo prazo, desconsiderados. Porém, foi justamente a responsabilidade ambiental que motivou Ana Carolina Corberi Famá a iniciar sua tese de doutorado pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE).

Em geral, a medida proposta para casos de derramamento de óleo é o pagamento de indenização. No entanto, tal solução é inadequada, visto que “é praticamente impossível traduzir esses danos ambientais em dinheiro”, explica Ana Carolina. O valor é depositado em fundos que deveriam servir à reparação dos ambientes danificados. Contudo, isso nem sempre acontece.

A conclusão da tese é que os acordos são um meio bem mais eficiente e satisfatório para responsabilizar o poluidor. “Eu defendo que nesses casos de danos biológicos e ecológicos não seja atribuído um valor para o poluidor pagar, mas sim sejam atribuídas responsabilidades e obrigações que ele tem que assumir para reduzir e reparar efetivamente in loco [no local] esse dano que foi causado”, diz a pesquisadora.

No total, foram analisadas 198 decisões jurídicas sobre o tema derramamento de óleo no mar. Desses, Ana Carolina selecionou os 17 mais expressivos, embora enfatize que é preciso prestar atenção também àqueles vazamentos que ocorrem quase que diariamente na costa brasileira, com menor aporte de óleo. É o caso de lanchas, dutos e barcos de passeio, por exemplo.

Conseguir acesso a esses documentos foi difícil, visto que alguns não estavam disponíveis online e tiveram que ser pedidos em papel. Mesmo para as decisões jurídicas publicadas na internet, houve um extenso trabalho, uma vez que os métodos de busca não funcionam igualmente para todas. A pesquisadora utilizou palavras-chave, mas relata: “às vezes a mesma palavra que eu usava num tribunal, no outro, não conseguia achar nada”.

Por que o Direito deve englobar outras ciências

Durante a pesquisa, Ana Carolina percebeu que uma das falhas do Direito é não conseguir identificar com exatidão os danos, o que impede uma reparação efetiva. Nesse ponto, é importante o conhecimento de outras ciências, que ajudam na identificação e nas soluções. “Os danos muitas vezes perduram por muitos anos ou vão ser verificados só lá na frente”, diz.

Nas definições jurídicas, os danos podem ser considerados patrimoniais ou extrapatrimoniais, explica a pesquisadora. No primeiro caso, é possível quantificá-los. Por exemplo, se uma cidade afetada pelo óleo sofre com redução do turismo, é possível calcular em dinheiro qual foi a perda. O segundo caso é mais complexo, porque se refere à perda na qualidade de vida, como a perda de um espaço de lazer devido ao vazamento de óleo.

Por sua vez, os danos ecológicos, que fogem da área de domínio do Direito, não podem ser indenizados. Afinal, é quase impossível quantificar em valores monetários as consequências do aumento da mortandade de peixes e do óleo incrustado nas rochas que prejudica o manguezal, por exemplo.

Acoplar o Direito a outras ciências como Ecologia e Geografia foi um dos fatores de ineditismo da pesquisa, mas também um dos maiores desafios. Compatibilizar várias áreas não é um trabalho fácil, relata Ana Carolina. Por vezes, era preciso voltar a conceitos básicos, que em geral já são superados em teses de doutorado. Isso porque um dos objetivos da tese é servir como material de consulta tanto para um biólogo quanto para um juiz.

A extração de petróleo é um fator de risco para o vazamento de óleo no mar. Imagem: Pexels

Brasil e derramamento de óleo: entre acordos internacionais e normas internas

O tema vazamento de óleo é abordado em diversos países. Por essa razão, é um assunto amplamente regulamentado por leis e tratados internacionais, muitos dos quais são assinados pelo Estado brasileiro. No entanto, algumas medidas definidas internacionalmente são incompatíveis com o ordenamento político brasileiro. Uma delas é o excludente de responsabilidade. Ou seja, os poluidores podem não responder pelo dano, se tiverem tomado todas as precauções para evitá-lo. Isso vai de encontro à responsabilidade ambiental brasileira.

Na lei 6.938 de “Política Nacional do Meio Ambiente”, o poluidor é definido como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Na mesma legislação, também está prevista a “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”. Isso quer dizer que o excludente de responsabilidade institucionalizado pelos tratados internacionais é incoerente com as normas internas no Brasil.

“Há essa incompatibilidade: uma norma externa que dá um abrandamento de responsabilidade foi internalizada, mas o nosso ordenamento jurídico pátrio não tem esse abrandamento. Essa é um ponto de divergência muito grande na nossa legislação”, comenta Ana Carolina.

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