Discurso de Margaret Thatcher de 30 anos influencia o Brexit

Fala de Thatcher em Bruges foi um dos instigadores do movimento eurocético britânico

Discurso de Margaret Thatcher ainda inspira os britânicos contrários a uma integração do Reino Unido com a Europa. Imagem: Getty Images

A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher realizou um discurso na cidade belga de Bruges, em 1988, em que emitiu duras críticas ao novo modelo que a Comunidade Econômica Europeia (CEE) propunha para a integração do continente. Com o passar dos anos, essa fala instigaria um sentimento eurocético, culminando no Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, bloco que sucedeu à CEE.

Foi a essa conclusão que Wellington Souza Silva chegou em sua dissertação de Mestrado, intitulada “Jerusalém em Bruxelas: o discurso de Bruges e a mudança da política externa britânica para a Comunidade Europeia em 1988”. A pesquisa foi desenvolvida no Instituto de Relações Internacionais, sob a orientação do professor Kai Enno Lehmann.

A CEE  e a Dama de Ferro

A Comunidade Econômica Europeia foi criada em 1957, como um “esforço para promover a integração entre seus membros, restrito à agenda econômica, mas com apenas avanços modestos”, comenta Silva. Em 1973 o Reino Unido aderiu ao grupo, e Thatcher assumiu o comando do país em 1979, permanecendo até 1990.

Na década de 1980, novos líderes europeus chegaram ao poder e trouxeram o que Silva chama de “postura mais favorável às medidas de liberalização econômica”. Isso gerou o Ato Único Europeu, que visava uma integração total do continente. Após ele, decidiram então, apresentar novas agendas a nível supranacional, como legislação trabalhista e política monetária. Thatcher e diversos setores de seu governo discordaram dessa decisão, e a líder decidiu tentar alterar essa nova política da CEE.

O resultado foi o Discurso de Bruges, em 1988, no qual a primeira-ministra destaca a “necessidade, em reter as pretensões exacerbadas da Comunidade Econômica Europeia (CEE) após a aprovação do Ato Único Europeu de 1986”. Pretensões que, para Thatcher, “poderiam criar um retrocesso ao gerar uma maior centralização política supranacional, excessivas regulamentações e uma limitação das oportunidades econômicas e comerciais para os países membros”.

Thatcher durante o seu discurso em Bruges. Imagem: Reprodução

O discurso da primeira-ministra, porém, teria pouco efeito nas lideranças europeias. Ao mesmo tempo, Silva comenta que Thatcher não conseguiu reunir apoio interno, tanto em seu país quanto em seu partido, o que a enfraqueceu politicamente. Ela continuou com as críticas à CEE, o que prejudicaria sua imagem. Dois anos depois, renunciou ao cargo.

De Bruges ao Brexit

A pesquisa de Silva teve início quando o mesmo constatou que “diversos padrões temáticos apresentados pelos eurocéticos britânicos contemporâneos em suas campanhas coincidam com o pronunciamento de Thatcher no Discurso de Bruges”, a primeira manifestação contrária ao processo de integração desde que ela havia subido ao poder.

A partir daí, o pesquisador tentou determinar a influência da primeira-ministra nos movimentos britânicos contrários à integração européia e à União Europeia, os chamados eurocéticos.

Como primeira conclusão da dissertação, Silva comenta que a renúncia de Thatcher, consequência do discurso de Bruges, “abriu um precedente na história da política britânica contemporânea de líderes Conservadores que se desgastam e caem do poder após se envolverem em temas acirrados na agenda europeia”. Entre esses líderes, estão os ex-primeiros-ministros John Major e David Cameron, além de Theresa May, a qual recentemente anunciou sua renúncia devido a sua incapacidade de aprovar um acordo para o Brexit.

A primeira-ministra Theresa May foi mais uma líder conservadora que renunciou ao cargo por não conseguir lidar com o euroceticismo britânico. Imagem: PA

O discurso de Thatcher também alterou a dinâmica dos dois principais partidos britânicos, o Partido Conservador e o Partido Trabalhista. Inicialmente, o primeiro era pró-Europa e pró-CEE, em especial pelos benefícios econômicos do bloco, porém, após o discurso, foi adotando um posicionamento cada vez mais eurocético, culminando no “protagonismo na saída do Reino Unido do bloco europeu”. Já o segundo tinha uma postura mais eurocética, pois temia que as iniciativas supranacionais de integração econômica minariam as conquistas da classe trabalhadora. Com o discurso, passaria a adotar um tom mais neutro na relação com a UE, existente até hoje.

Houve, também, um reforço do euroceticismo britânico no decorrer dos 30 anos após a fala de Thatcher, cuja crítica foi ganhando cada vez mais apoio a nível doméstico. Esse apoio gerou, por exemplo, o partido UKIP e seu antigo líder Nigel Farage (que hoje comanda o partido Brexit), essenciais para a aprovação do referendo de saída do Reino Unido da UE.

Isso também permitiu a ascensão de lideranças eurocéticas no partido de Thatcher, entre eles Boris Johnson, ex-ministro das relações exteriores de Theresa May e favorito para sucedê-la no cargo, e Jacob Rees-Mogg, outro potencial sucessor de May e importante liderança na campanha pelo Brexit.

Boris Johnson ficou conhecido pelo seu forte discurso eurocético durante a campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia. Imagem: The Wall Street Journal

Silva comenta que talvez o mais nocivo efeito do crescimento do euroceticismo após o discurso de Bruges foi “a adoção da agenda eurocética como solução para todos os desafios da política britânica contemporânea, como imigração, crise econômica, segurança doméstica e a autonomia soberana do parlamento”, o que foi um fator preponderante para a aprovação do Brexit e culminou na atual crise política enfrentada pelo Reino Unido.

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